SEGURO E OS DEPUTADOS DA SEITA
Também me parece que andar o Partido Socialista por aí-Parlamento e Interior a protestar compaixão, sensibilidade, ultrapassa toda e qualquer noção de decoro e memória de curto prazo, embora não seja isso o que é veiculado pelo Expresso da Meia-Noite e outras fórmulas televisivas de branqueamento e desmemória, com o tipo de friso chamado a comentar, esses painéis convidados, pátina de absolventes do socratismo: «O dr. António José Seguro
foi ultimamente
criticado pelo grupo
parlamentar do PS. Ao
que por aí se diz, por
três razões. Primeiro,
porque não defendeu a “Parque
Escolar, EPE”, uma obra de que
Sócrates se orgulhava muito (e,
segundo Nuno Crato, excedeu
o orçamento em 447 por cento,
o que não se pode dizer que
seja pouco). Segundo, porque
não é, como lhe compete,
suficientemente assíduo às reuniões do grupo parlamentar,
único sítio em que hoje em dia os
deputados da seita podem fingir
que são alguém e servem para
alguma coisa. E, terceiro, porque
não defende com zelo a herança
que o eng.º Sócrates nos deixou e
o glorioso passado do partido. Se
alguém precisava de um pretexto
para ter pena do dr. Seguro, já
com certeza não precisa. Ouvir as
lições de Ferro Rodrigues, Vieira
da Silva e Basílio Horta chega com
certeza para apagar qualquer
pecado político.
Mas, por detrás deste patético
episódio do PS, está uma ilusão
de que nenhum dos partidos se
livrou: a ilusão de que, quando a
crise acabar (se a crise por acaso
acabar), o velho jogo dos partidos
vai continuar como se nada tivesse
acontecido. As pequenas berrarias na Assembleia da República por
vantagens sem espécie de sentido
ou relevância mostram que toda
aquela gente não percebeu ainda
que morreu e que se limita agora
a enfeitar uma sala, que por lei
e decoro não convém que fi que
vazia. A oposição não manda
e, tirando a extrema-esquerda
(a que se dá o desconto de um
desequilíbrio natural), perdeu
a mais remota autoridade para
protestar. E a maioria vota como
lhe mandam para não ser ela a
consumar o desastre.
A situação é clara. Ou o CDS e
o PSD com muita sorte e muita
habilidade nos conseguem
tirar do buraco — e nessa altura
aproveitarão para mudar o
regime de acordo com a sua
conveniência e o seu interesse.
Ou, para nosso mal, acabam
por nos levar à miséria e, com
ela, à desordem — e nessa altura
sairá dos fundos da irritação
geral um novo arranjo, não
necessariamente democrático.
De qualquer maneira, os velhos
partidos, que desde 1975 se
ocupam com minúcia e deleite
a desgovernar o país, não
tardarão a desaparecer. E nem
um Presidente, desacreditado e
frouxo, à última hora, os poderá
salvar. A descompostura que
levou o dr. Seguro presume que
vivemos na normalidade (ou, pelo
menos, numa tolerável imitação
da normalidade). Não vivemos. A
crise chegou longe de mais para
voltarmos para trás.» Vasco Pulido Valente, Público
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