PASSOU JANEIRO, ULRICH!

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Passou Janeiro e não comprei absolutamente nada, não gastei dinheiro absolutamente nenhum para além de trinta cêntimos de pão. Consegui. Não me paguei a mim mesmo nenhum café, que adoro. Não me plantei peregrino e parvo no Merdia Market à babugem fosse do que fosse sem IVA, com respeito a todos os que o fizeram, falo de mim, o peregrino e o parvo seria eu. Não fui ao cinema, que adoro, nem ao teatro, que amo, nem à música, que idolatro. Não comprei coisa nenhuma, entrou dia, saiu dia, umas batas fritas, um bolo, um sumo, nada. Foram 31 dias vividos serenamente e em estado de combate, transformando a minha rebelião contra o Regime que Apodrece em Portugal em esvaziamento zen, em despojamento do meu Eu, num gesto concreto e num propósito reactivo como quem sintetiza o próprio sal e resiste ao Mega-Tributo a que nos submetem. Jejuei todos os santos dias deste Janeiro, tomando apenas as duas refeições principais, regadas com meio copo de vinho tinto, broa, azeite, grelos cozidos ou couves, cavala em conserva, petinga ou atum ou salsichas. Estou vivo, mais leve, esvelto, e até mais belo, gracioso, com um brilho no olhar verdejante que muito me agrada. Corri para a minha praia, pisei a minha areia e bordejei as águas do meu Mar sempre que o clima o permitiu e mesmo quando chovia a cântaros. Passou Janeiro, espiritualizei-me, fui um pai omnipresente e solidário nas lides de casa, mantive o meu sorriso intacto, evitei demasiada virtualidade-net. Busquei o Sol. Emocionei-me na hora crepuscular, olhando, com o coração Menino e Impoluto, o Mar. Tenho procurado fundar e consolidar o meu caminho para uma sólida felicidade e uma alegria genuína, alegria e felicidade de Amado de Deus e capaz de amar e sentir solidariamente o Outro no mais íntimo de si, embora as ocasiões sociais para isso sejam quase nulas. Procurei passar o mais imune possível aos constrangimentos circunstanciais de penúria pecuniária, agora que, desempregado, a Segurança Social me abandona sem uma palavra pedagógica ou explicativa, e o faz talvez porque não sou o BPN, nem o BPP, não assinei PPP e nem me pisguei para Paris para viver como um bom Filho da Puta, após entregar o meu Povo à sua Sorte, isto é, à sua Merda. Talvez porque não sou dos que, na Governação Sacana Associalista, em troca de uns broches ao sr. Salgado, empurraram com a barriga as contas-para-depois com que hoje se fodem os portugueses conforme se vão fodendo, matéria digna de ser cantada por um novo Camões com um novo Os Lusíadas, Os Austeríadas. Posso fazer de Tasco Gamado. Gamado pelo Fisco, que me persegue desde 2005. Gamado pelo BES, que me ficou com um apartamento, já hipotecado, para o qual nesse Banco obtive 175 mil euros de financiamento, e ainda descobriu cem mil euros para me penhorar até à morte. Gamado pelos Demagogos Precedentes e os actuais Incumbentes Residentes. Passou Janeiro e o meu projecto de viver numa disciplina ultra-austeritária só comigo mesmo está a correr muito bem, sendo que nada faltou às minhas filhas, nenhum dever de responsabilidade ficou por cumprir e mesmo os cabrões dos imprevistos mecânicos ou informáticos vão-se pagando. Aos bochechos. Todos os trocos que pude aguentar enterrei-os num buraco simbólico, acumulados para um dia futuro, quando me achar mais parecido com o incendiário pateta Ulrich. Este homem gosta de pegar de caras. É pena. Gosto dele. Custa-me que me ofenda ao falar do que não sabe nem imagina. O que é que um pirómano destes, por acaso banqueiro, merece?! Escárnio e uma resposta cristã: por isso mesmo, sem Ulrich na cabeça, mas com o olfacto, a visão e o tacto em êxtase navegando a tua pele, ontem, enquanto fazíamos amor, sorríamos muito, Mulher. Sorriso, porque já sabes que gosto de esperar por ti, à medida que te enlouqueço e me perco. Sorriso, porque tínhamos conversado sobre o Ulrich ter dito que éramos todos iguais na austeridade, capazes de suportar o que suportam os Gregos e mais, se mais vier. O banqueiro político-palrador não teve o poder de nos incendiar o escândalo. Apenas nos fez sorrir o mais amarelamente que pudemos, sorrindo-nos ainda mais pelos motivos do Gozo que nos demos. Passou Janeiro. Vias-me agarrado a moedas que nem um pão pagam, agora olhas para o que diz Ulrich, e sorris. Dia após dia após dia, nunca tinha dinheiro para um leite chocolatado ou um iogurte à hora em que te surpreendes terem acabado para elas, pensas no que arenga Ulrich e sorris. Vem um Ulrich e disserta sobre a capacidade de suportar esta tão alargada falta de cobertura para satisfazer o abaixo-de-básico e nós sorrimos. Sorrimos, gememos e suspiramos, enquanto fazemos amor deliciosamente, que é o que fazemos de melhor. Chegou Fevereiro. Estou ainda mais adestrado para a luta a que me dei. O teu belo sorriso, Mulher, a tua gentileza para com todas as pessoas da nossa casa e todas as boas acções que fazes no dia-a-dia são o sinal de que és uma bela criatura. Amo-te. Passo óptimo com Nada, cada vez mais feliz por não pesar a ninguém em coisa nenhuma. A ti, a elas, nada faltará.

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