O Futebol é o Ópio do Povo



... E nós adoramos o Futebol.

Obviamente que ser povo implica ter de se ter, por pura necessidade, algum ópio.

Se efectivamente, no passado, se pôde dizer que a religião, ao serviço do império, ao serviço da nação, narcotizava as massas para que vivessem numa submissão acarneirada fosse às lógicas hierarquizadoras do social, estanques e impositivas, fosse servindo os propósitos de domínio e ganho de uma elite cunhada pela vontade de Zeus;

e que sob o pó dos tempos, por vezes caucionava anestesiantemente a exploração do Povo por parte do capital desumano, guloso por mais capital, porque era mester e fatal que assim tivesse de ser;

e que, oxidando, havia deixado de ser causa libertadora do ser humano para passar a ser, genericamente e apenas, um dictat puritano, espartilhador do indivíduo, um código hipócrita e fechado, de morais mentirosas e hipócritas e oprimentes, porque aplicadas puritana, espartilhadora, hipócrita, fechada e mentirosamente...

... a verdade é que depois veio a Ideologia e o Partido Político e, sobretudo, o líder político em nome do Povo, líder político que tomou o lugar do clero para oficiar novos cultos e estabelecer novos espartilhos.
O Partido também foi, portanto, o ópio do Povo, numa clara mudança de cheiro, permanecendo igual a defecção, porque ainda não tinha chegado o Futebol, as estrelas do Futebol, o marketing em torno do Futebol.

Hoje temos o Futebol e as sugestões colectivas, a colectiva histeria decorrentes do Futebol.

E esse ópio dá-nos a pedra de parecermos novos, numa vontade de, por um mês e enquanto a nossa equipa lá estiver, sermos mais humanos e sorrirmos mais, de deixarmos passar à nossa frente, nas filas, quem venha pela esquerda e pela direita por terem cachecóis e andarem com T-shirts alusivas à Selecção.

Sim. Hoje temos o ópio do Futebol e temos o ópio das vozes de comando do Futebo, cheias de carisma, cheias de sotaque, autoritarismo e marisco.

O que é que falta a Portugal, quando há um Chocolatari a levantat-nos de tal modo o ânimo até às estrelas que de repente já não estamos desempregados nem andamos tesos como carapaus?

Hoje temos também esta coisa especiosa que é a Publicidade, ela, que é poética, ela, que é catequese quase do subtil, do belo e do insólito, e que, de tão bela e cómica por si mesma, nos faz esquecer que não podemos comprar aqueles carros e demais bugigangada cara.

A Publicidade também é o ópio do povo: faz-nos comprar cromos, chicletes e lexívias que dá vontade de beber por causa do rótulo, das moças e da música na TV.
Hoje o opiário não são as Igrejas nem o Comité Central. Hoje o opiário são as televisões e os estádios. Ali se aliena e distrai o Povo do que interessa. Ali se vicia e se gera paixões.

As paixões afastam o homem do bom senso. A falta de bom senso conduz aos acidentes na estrada depois de um álcool demasiado celebrativo ou demasiado frustrado, consoante o resultado do desafio.

Se o futebol e a publicidade já alienavam e continuarão a alienar o Povo, e muito claramente as filhas do Povo, a verdade é que, com as telenovelas da TVI, há ainda muito Povo e por muito tempo a alienar.

As telenovelas da TVI são o ópio do Povo.
E páro já a seguir não vá imitar a deriva verborreienta do Meditador metralhador, que desagrada à Esquerda naftalina e à Direita caruncho do Desabafe.

Joaquim Santos

Comments

Anonymous said…
bibo porto!
José Leite said…
"Ópio do povo?", é chão que já deu uvas. Hoje em dia fala-se de "motivações", "auto-estimas", sei lá...

Adorar futebol é ser "patriota", estar "in", comungar de um sentimento profundo, enfim, estar no "olimpo".

Não digam mal do dito cujo! ele é íntimo do populismo, mas, sem ele... há um vazio cada vez maior! Confesso que sou "alienado da bola", mas sinto-me bem. Esta "dependência" é benigna e... com esta crise até se compreende...
Anonymous said…
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