COISAS MISERÁVEIS

«Numa semana, numa curta semana, Portugal soube das miseráveis rendas da EDP, do contrato da Lusoponte, das dívidas do Estado às PPP (1200 mil euros), da extraordinária ideia da Associação Sindical dos Juízes, que resolveu processar quase todo o Governo de Sócrates por peculato ou abuso de confiança e de mais duas dezenas de casos que não se recomendam à inocência do cidadão. O regime vai caindo diariamente, sem grande sobressalto (e sem grande interesse) do país, como se o seu fim fosse uma conclusão esperada e até bem-vinda. No meio disto, o sr. Presidente da República, sem que nada aparentemente o obrigasse, resolveu publicar a sua autojustificação e o seu autoelogio, com o propósito ostensivo de provar a sua refulgente virtude e de prometer que seria no futuro tão imparcial e legalista como tinha sido no passado. Quem leu essa intrigante peça de prosa (que ele obviamente não escreveu) ficou, pelo menos, com duas perguntas. Primeira, por que razão decidiu agora acusar o defunto Sócrates de “uma falta de lealdade”, que a pobre “história da nossa democracia” não deixará de “registar”? Segunda, porque lhe pareceu necessária neste particular momento a defesa de cada acto da sua passagem por Belém? Quanto a Sócrates, não há dificuldade em responder: um homem que foi “desleal”, constitucionalmente “desleal”, com o Presidente, está para sempre fora da política. Quanto à intempestiva apologia que envolve e completa o assassinato, é uma absolvição plenária de qualquer responsabilidade que lhe possam atribuir na crise. Admito que o dr. Cavaco não aspire a mandar directamente em Portugal. Mas também admito que, perante a degradação da República, ele reserve para si o papel de árbitro. A extrema esquerda não conta. O PS, apesar de algum optimismo oficial, não irá recuperar (se recuperar) tão cedo a confiança do eleitorado. E o Governo começa a vacilar sem um programa claro (fora o da troika) e um pensamento inteligível para a generalidade do país que o sustenta. Quem sobra nesta catástrofe quase universal? Sobra o dr. Aníbal Cavaco Silva, irremovível e ainda por cima inspirado, em que a “democracia” e a “Europa” procurarão inevitavelmente a autoridade que lhes falta. A remoção de Sócrates e a absolvição do Presidente (que precisava de um culpado) indicam um caminho. Basta que o Governo tropeceou, pouco a pouco, se desfaça.» Vasco Pulido Valente, Público

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