HERANÇA EXECRANDA. DESTINO ZERO
«No PS, a herança de
Sócrates continua a ser
um motivo de amargura e
divisão. Sócrates deixou
uma parte da sua gente no
grupo parlamentar (como,
de resto, costuma suceder) e
até uma facção de apoiantes no
partido. O que, em princípio, não
faria mal a ninguém, se o país não
o execrasse e não lhe atribuísse
a responsabilidade da crise.
Um chefe falhado, como foram
muitos, custa pouco a esquecer,
excepto a quem tiver de viver
com as consequências do que ele fez; e as consequências do
que Sócrates fez doem dia a dia a
milhões de portugueses. Por isso,
o PSD, e a direita em geral, não
hesita em o usar contra Seguro e,
como anteontem escreveu Assis,
o “fantasma” dele, mesmo na
ridícula escola onde se resolveu
meter, paira ainda sobre a política
portuguesa. Isto atormenta as
cabeças pensantes do PS, que não
descobriram ainda a maneira de
o enxotar.
A tese principal, que a maioria
das “notabilidades” defende,
é a de que o partido precisa
de apreciar serenamente o
consulado de Sócrates (“sem
uma relação psicótica” com a
criatura) para distinguir entre o
“bom” e o “mau” e para, como é
óbvio, guardar o “bom” e rejeitar
em definitivo o “mau”. A ideia
infelizmente presume que há
um lado “bom” e um lado “mau”
na confrangedora passagem de
Sócrates pelo governo e pelo
PS. E presume também — uma
hipótese muito mais perigosa —
que o inventário está fechado e
que nenhum outro episódio dessa
aventura, até agora escondido,
virá tarde ou cedo à superfície
para embaraço de Seguro ou dos
seus sucessores. O “fantasma”,
embora fugitivo, não desapareceu.
O número não só de socialistas
mas de portugueses, que no seu
tempo ele enganou ou encorajou
por vias pouco apropriadas, não
permite imaginar um sumiço
total e expeditivo. Basta ver como
alguns velhos colaboradores
tomam hoje uma distância
prudente quando se fala do
homem. A estratégia de Pilatos,
no caso, não se aplica. Porque
a verdadeira questão não é a
simples presença do cavalheiro,
com a sua irresponsabilidade,
arrogância e autoritarismo,
reinando sobre um Portugal
apático. A questão é a de
explicar como ele conseguiu
submeter à sua vontade um
PS aprovador e dócil e, quase
sem protesto, levar atrás de si
(ou persuadir ao silêncio) uma
considerável quantidade de
pessoas com idade para ter juízo.
A reconciliação interna do PS
como a reconciliação do PS com
os portugueses pedem mais do
que uma “autocrítica”. Pedem um
destino. E que destino nos pode o
PS agora oferecer?» Vasco Pulido Valente
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