SOB O VÉU DA CARNE

Mantenho as minhas corridas vespertinas quotidianas, quando a luz esmaece laranja-rósea e a minha voz se espraia na base natural da ficção pelo olhar. Corro. Corro pelas horas. À minha direita, o mar esverdeja e brama com os seus minúsculos sorrisos de espuma e tudo decorre como se as minhas pernas cruzassem palavras invisíveis para um universo metafísico, hiperatento à rica e compenetrada sucessão do meu compasso íntimo, pulsar cadenciado. Sobre mim, o céu azuleja. Coronário, o suor arfante do meu corpo é o mercúrio azul da vida que vai fixando a ressurreição corpórea deste meu íntimo ente misterioso por se revelar e que só um crente futuro poderá ler na transparência porque poderá ver a união seminal que foi sempre o motor da minha Fé sem oscilação no perpétuo risco aceite sob o véu da carne. Ver, o crente futuro verá nítida essa brecha irredutível repleta de vida, biliões de outros entes, vê-la-á, pela volúvel seara cósmica ancorada no Cronos e no tecido negro-amoroso da volição divina, no verbo performativo anelante que ostento. Corro. Eis o tempo e o argumento do poema. O crente conhecerá a borboleta do jardim sem reparar se acaso é borboleta: ela destina-se a recordar a vida imortal de um adorador do Altíssimo, que a todos arrancará, ungidos e odorosos, da provisória dormência mortal das suas tumbas.

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