PELLERIN

O Pedinte, gravura por Jacques Callot
Pellerin lia todas as obras de estética
para descobrir a verdadeira teoria do Belo,
convencido de que, quando a tivesse encontrado,
faria obras-primas. Rodeava-se de todos os auxiliares imagináveis,
desenhos, gessos, modelos, gravuras;
e procurava, ralava-se; acusava o tempo,
os seus nervos, a sua oficina,
saía à rua para achar inspiração,
sobressaltava-se por tê-la captado,
depois abandonava a obra e pensava numa outra
que devia ser mais bela.

Assim atormentado por ânsias de glória
e perdendo os dias em discussões,
acreditando em mil ninharias,
nos sistemas, nas críticas, na importância de um regulamento
ou de uma reforma em matéria de arte, não tinha,
aos cinquenta anos, produzido ainda senão esboços.

O seu orgulho robusto impedia-o de sofrer qualquer desencorajamento,
mas andava sempre irritado,
e nesta exaltação ao mesmo tempo factícia e natural
que constitui os comediantes.

Notava-se ao entrar em casa dele
dois grandes quadros, em que os primeiros tons,
postos aqui e além, faziam na tela branca manchas de castanho, de vermelho e de azul.
Um entrelaçado de linhas a giz estendia-se por cima,
como as malhas vinte vezes remendadas de uma rede;
era mesmo impossível aí compreender alguma coisa.
Pellerin explicou o tema destas duas composições
indicando com o polegar as partes que faltavam.
Uma devia representar a demência de Nabucodonosor,
a outra o incêndio de Roma por Nero.
Tu admiraste-as. Admiraste academias de mulheres desgrenhadas,
paisagens em que os troncos de árvores torcidos pela tempestade pululavam,
e, sobretudo, caprichos à pena, lembranças de Callot, de Rembrandt ou de Goya,
cujos modelos não conhecia.

Pellerin já não estimava estes trabalhos da juventude;
agora, era pelo grande estilo;
dogmatizou sobre Fídias e Wincklemann, eloquentemente.
As coisas em seu redor reforçavam a força da sua palavra:
via-se uma caveira em cima de um oratório,
iatagãs, um hábito de monge; Envergaste-o.
Quando chegavas cedo, surpreendias-lo no seu mau leito
de tiras de lona esticadas, que ocultava um farrapo de reposteiro;
porque Pellerin deitava-se tarde, frequentando os teatros com assiduidade.

Era servido por uma velhota andrajosa,
jantava numa tasca e vivia sem amante.
Os seus conhecimentos, adquiridos ao sabor do acaso,
tornavam os seus paradoxos divertidos.
O ódio contra o comum e o burguês extravasava-se em sarcasmos
de um lirismo soberbo, e tinha pelos mestres uma tal religião,
que ela o elevava quase até eles.

Mas por que nunca falava na Senhora Arnoux?
Quanto ao marido, tanto lhe chamava um bom rapaz,
como, outras vezes, um charlatão.
Aguardavas as suas confidências.

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