CONTINUAMOS SÚBDITOS


Em Portugal, ser súbdito ou ser livre ainda são só palavras.
As tiranias obedecem à Lei da Gravidade e da Ganância e são densas e invisíveis.
Quanto mais invisíveis, mais reais.
Vista a fundo a nossa realidade do século XXI pouco ou nada mudou de intrínseco:
a mortalidade inicial é menor. A mortalidade terminal é menor,
há máquinas mais velozes e comunicações mais velozes,
mas a verdade e a transparência, a compaixão pelos pequenos e pelos pobres,
a indiferença pelos fracos rendimentos do trabalho e da cultura,
o laxismo pela justiça e na Justiça, a ausência do sentido de equidade,
no plano das Políticas, simplesmente se sofisticou em coisa cínica,
oportunística, a venda que nos atam, detergente que nos vendem,
instrumentalizações requintadas para a finalidade do Poder.
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O exercício da cidadania não é activo nem intenso, em Portugal.
O escol dos privilegiados e dos bem-nascidos portugueses fá-los só Cosmopolitas
e pouco portugueses, sempre desprezivos dos comuns e demais cidadãos.
Os grandes portentados económicos continuam tão frios e desumanos
no alto da sua intocabilidade
tal como os mais pobres, os mais amargos e mais revoltados
realidade-concebiam-caricatura a Realeza há cem anos.
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A dor alheia pode enlouquecer.
A sensação de sermos usados e banalizados,
como fazem algumas turmas a alguns professores
e este Ministério da Educação aos seus professores, pode enlouquecer.
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Não pensar muito nisto
e não consentir na paixão por isto da Liberdade e da Igualdade inexistentes
pode prolongar-nos a vida, mas já não será vida a sério.
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Sinto, por isso, necessidade de meditar um pouco no Testamento do Buiça,
senti-lo na voz que emite,
no qual revejo muitos dos dramas do meu avô paterno mas a quem a abertura da Fé
incendiou de uma paciência infinita ao colocar-se nas mãos de Deus,
que tem a Última Palavra,
o que lhe valeu bem a pena.
Na minha alma bruxuleia a flama do Inconformismo
entre essas duas Correntes de Ar Contrárias:
a do meu paciente e sábio avô Carlos que viveu bastante e viveu da Esperança Cristã
e a do impaciente e além-desesperado Buiça, disposto a morrer cedo por uma causa
ou pela raiva de a pensar impossível, que é o mesmo:
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«Manuel dos Reis da Silva Buiça, viuvo,
filho de Augusto da Silva Buiça e de Maria Barroso,
residente em Vinhaes, concelho de Vinhaes, districto de Bragança.
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Sou natural de Bouçoais, concelho de Valpassos,
districto de Vila Real (Traz-os-Montes);
fui casado com D. Herminia Augusta da Silva Buíça,
filha do major de cavalaria (reformado) e de D. Maria de Jesus Costa.
O major chama-se João Augusto da Costa, viuvo.
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Ficaram-me de minha mulher dois filhos, a saber: Elvira,
que nasceu a 19 de dezembro de 1900, na rua de Santa Marta,
número… rez do chão e que não está ainda baptisada nem registada civilmente
e Manuel que nasceu a 12 de setembro de 1907 nas Escadinhas da Mouraria,
número quatro, quarto andar, esquerdo e foi registado na administração
do primeiro bairro de Lisboa, no dia onze de outubro do anno acima referido.
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Foram testemunhas do acto Albano José Correia,
casado, empregado no comércio e Aquilino Ribeiro, solteiro, publicista.
Ambos os meus filhos vivem commigo e com a avó materna
nas Escadinhas da Mouraria, 4, 4º andar, esquerdo.
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Minha família vive em Vinhaes
para onde se deve participar a minha morte
ou o meu desapparecimento, caso se dêem.
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Meus filhos ficam pobrissimos; não tenho nada que lhes legar
senão o meu nome e o respeito e compaixão pelos que soffrem.
Peço que os eduquem nos principios da liberdade, egualdade e fraternidade
que eu commungo e por causa dos quaes ficarão, porventura, em breve, orphãos.
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Lisboa, 28 de janeiro de 1908. Manuel dos Reis da Silva Buiça.
Reconhece a minha assignatura o tabelião Motta,
rua do Crucifixo, Lisboa.»

Comments

Anonymous said…
A gente deve poder mudar aquilo que a gente pode. Esse Buiça fugiu das suas responsabilidades de cidadão e de pai em nome de uma causa que fodeu com tudo e com todos. Devia ter-se preocupado com os filhos, já que era tão cheio de compaixões, mas abandonou-os, para morrer. Não foi um herói. Foi um covarde. A inveja dos ricos e dos chefes não resolve nada.
Mia Olivença said…
Partilho contigo os principios de cidadã, gosto e pensar que a minha opinião conta independentemente da minha condição social...

Este senhor, o Buíça, sentia-se ultrajado por ser governado por "alguem" que chamava "piolheira" ao país e que, sendo ele, Buíça, "habitante" deste mesmo país era considerado um "piolho"... ou seja nada, ninguem... pior, um parasita...

Mas... Quem seria de facto o parasita???

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