DISSE O SENHOR (DIXIT DOMINVS)


Ando a comer esta obra de Handel há mais de dois meses
porque é bela, porque é Messiânica,
porque me revejo inteiramente nela
no seu ritmo,
na arte que encerra
e sobretudo no texto que recobre,
o Salmo 109(10)
da Sagrada Escritura.

Faz-me meditar no processo histórico aberto pelo Senhor Deus
pela Ressurreição do Seu Filho,
Grão amoroso que cai e germina,
Trigo amassado que fermenta
para Se dar em alimento a todos...

«Disse o Senhor ao meu Senhor:
"Senta-Te à Minha direita"»
até que ponha os inimigos como escabelo de Teus pés...
e o último inimigo é a morte, diria Paulo mais tarde.

O Amor Incondicional e Misericordioso como Lei.
O Espírito Santo, Deus Ele Mesmo!, como hóspede dos nossos corações.
A Vida Eterna como Herança.

É um Processo.

Há o Trigo.
Há o joio.
Mas eis a ceifa.
Eis a Crise.
Eis o Crivo.

Não, não e não: não pode estar nos meus projectos, sangue e consciência
caucionar que a morte se naturalize
e dê por legalmente facilitada seja a quem for,
seja em que estágio de desenvolvimento for.

Hipocrisia é recusar o conceito de inviolabilidade,
salvo se se trata do próprio coiro.

A Fernanda Câncio (e os 'sinocas') ainda não exercitou a imaginação o suficiente
para regressivamente observar-se como indefesa,
ali, naquela placentária paz aquosa,
já de coração palpitante,
de repente succionada,
de repente perfurada,
de repente compressa
sem haver quem a defenda,
um Estado que a tenha em consideração.

Quando é que se é gente?

Perguntar isso é uma bizantinice.
Gente alucinada na sua suficiência faz cálculos desses.
Mas na Lua não perguntariam isso.
No longe dos desertos marcianos não perguntariam isso.
Em face da imensidão do Cosmos,
do que há a descobrir e a conhecer deslumbradamente,
não perguntariam isso.
Diante de pais que perdem,
que anseiam, que tentam, não perguntariam isso.

É muita petulância arrogar-se a decidir
da vida alheia.
Típico de um positivismo kamikaze,
o mesmo que nos trouxe o Verão no Inverno
e que, quando o Verão-a-sério chega,
nos vai pondo a assar num espeto climático
cada vez mais sufocante.

(Subscrevo amplamente o que JPP escreve sobre a questão do aborto
na análise que tem vindo a fazer
sobre o discurso e percurso de Ratzinger e da Igreja que defende).

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