SECURA REGRESSIVA














Apareces com frases curtas
e dizes qualquer coisa viciado.
Pesa-te o mundo inteiro,
pesa-te que eu coma assim e que não coma assado,
falas mal da minha barriga,
que está tão bem,
tenho sempre algo de censurável para ti,
nem que seja estar constipado
e eu nunca constipo.
Atacas, contra-atacas
e tens um argumentário sôfrego
em defesa seja do que absurdo for,
mesmo em defesa de que é nada e sem dignidade para ti,
um Homem semeado
ou um enchido defumado.

Ah, o cansaço que mora em ti rio riste,
espada que brandas, sono, gume, estrada,
riqueza morta de sonhos, picada de pulga em pêlo de cão.
Pêlo de gato.

Dêem-me algo com que me enfureça,
algo com que esperneie, estrebuche, espume,
a adrenalina da palavra, dêem-ma!

Já que me não vejo agora mesmo extático em pleno Museo del Prado,
parando e pasmando a meu bel-prazer,
já que ainda não voei nem estou onde quero,
dêem-me a palavra e o pretexto,
que explodirei verbonuclear,
farei uma hecatombe,
amplificarei, contagioso,
uma gripe vocabular
com vírgulas, pontos e acentos
a apontar à esquerda-febre e à febre-direita.

Pensei que caminhávamos noutra direcção.

Por séculos, imensos, séculos de mais, a mulher não valia nada,
sem direitos, desigual, ainda mais carregada de trabalhos domésticos
e de outros trabalhos,
sempre fodida a gosto e a contragosto,
menos importante que um filho,
mais assassinável por maridos cabrões
por estar gorda e ser adúltera,
por estar feia e ser adúltera.

E assim é em tantos sítios ainda.

Como não valha nada e use burkas e oclusivos lenços
é como se nós, nesta despovoada e pedante Europa, todos nós,
quiséssemos exercer o direito a uma quota-parte de barbárie,
entre matar crianças, coisa em que Portugal se destaca todos os anos,
e poupá-las ao pavor de existir,
não haja dúvidas,
que não haja dúvidas!

Comments

Popular Posts