OBSOLESCÊNCIAS

Ontem, parido e empossado, surgiu o Governo Passos Coelho II. Nasceu para levar a jangada até ao fim e mostrar resultados, se houver tempo e o Daniel estiver errado. Terá de fazer violências. Apanhará provavelmente com mais greves por mês que o Governo Passos Coelho I, mais débil, muito mais medroso. Muito menos articulado do que este promete. Precisamos de greves na função pública, apesar da compressão de direitos e rendimentos, das requalificações e evacuações? O mundo europeu da Moeda Única carece delas? Claro que não. Do que precisamos mesmo é de menos Fisco, mais indústria, mais emprego, mais actividade privada e um caminho de competição directa com outros pólos planetários hoje com regras mais favoráveis para eles e que nos vão deixando mais e mais para trás e a dever-lhes dinheiro. A Ásia, sim, precisa de greves. Urgentemente. Nunca as terá. E mesmo que as tenha, delas pouco ou nada se falará. O Brasil também. Greves por mais direitos laborais, pela humanização da sua indústria e de outras estruturas produtivas, greves por condições gerais mais justas de remuneração. Cá, na pequena paróquia política portuguesa, por exemplo, pensar em greve, neste contexto em que uma hora conta, já antecipa ineficácia e cansaço levados ao limite e é um contrassenso quando no horizonte muitos aventam um novo cenário de bancarrota. As sociedades europeias que intuíram e inventaram o Estado Social e a aspiração ao bem-estar têm de redescobrir estratégias novas de protesto, mais cívicas e inteligentes, menos tiro-no-pé, à medida da massa crítica que constituem, à medida da realidade demográfica e cultural que habitam, e sobretudo à medida da nova consciência ambiental que se traduz em novas práticas individuais libertadoras, minimalistas, capazes, só elas, de engendrar uma felicidade pouco compatível com a loucura consumista, a ganância e a ambição competitivas que trucidam a concorrência e pisoteiam as caveiras dos derrotados e menos capazes. Há outras formas de protestar com eficácia. Não tem de nem pode passar obrigatória e monotonamente pela greve: note-se que, de 2007 para cá, as greves, todas as greves, demonstraram que qualquer Reforma do Estado explicável e entendível pela Opinião Pública só passará com um tipo de apoio bem maior que aquele que cada Governo consegue mesmo em maioria: trata-se de uma mudança de princípios e de relação entre a política e a cidadania e que os partidos terão de abraçar, sob pena de desaparecerem a bem ou a mal. O que revolta as pessoas? A opacidade das decisões e a nítida consciência de que o rendimento das famílias está sob sequestro por parte dos Governos e dos decisores transgovernamentais, acima deles em benefício sistemático da Banca. Há cortes de que não poderemos escapar, por mais que o Partido e o Sindicato anunciem o inverso lutando pelo inverso. É o caso do PS com as propostas ridículas, simuladoras, que ousou levar à célebre Távola da Salvação Nacional: o que é que, por exemplo, Carlos Silva pensa dos cortes de apenas 2 mil milhões sugeridos aí pelo Partido Socialista?! Concorda ou não concorda? E como é que se pode, por um lado, cortar 2 mil milhões e, no mesmo passo, apresentar a sugestão do aumento de despesa e, portanto, da diminuição de receita dos mesmos 2 mil milhões?! Como? Repondo pensões, actualizando salários congelados, congelando os despedimentos encapotados na função pública?! Dou de barato a utilidade de proceder ao abaixamento do IVA da restauração, uma imbecilidade troykista que pouco ou nada trouxe de bom à actividade económica, ao emprego e à receita. Mas gostava que Carlos Santos, o socialista-sindicalista, comentasse isto. O seu PS, ainda com a psique formatada para a existência de dinheiro e a possibilidade de o esbanjar, negociou na dita Ronda objectivos miríficos, não foi, Carlos?! Pagar é verbo que ninguém nesse partido quer conjugar no futuro, faltando à realidade da verdade e à verdade da realidade, não é, Carlos?! Que sugestões propõe o socialista-sindicalista Carlos Silva para o nosso delicado problema de défice e de dívida?! Na verdade, as alternativas à austeridade só promovem mais austeridade por mais tempo: o PS acha que nos convence de que a saída para a crise se faz com aumento da dívida e do défice, conservando um Estado Opaco, Rançoso, encavalitado na iniciativa privada, sufocando-a. Mais do mesmo. O mesmo parasitismo. Empresas públicas monopolistas a secar, como eucaliptos, quem ao lado possa fazer melhor. Não. Não acredito na eficácia das greves nem na eficácia do crescimento assente novamente em investimento público, segundo critérios mais que duvidosos, impressionistas, simpatiquistas, amiguistas. Essa retórica já era. O principal inimigo de Portugal e dos Portugueses não é a Direita Austeritária nem é a Esquerda Mãos-Largas Vazias. É a corrupção e a incompetência político-económica. A corrupção a pretexto da política para as pessoas; a incompetência incrustada na distorção das relações humanas a partir de um complexo de superioridade moral da Esquerda sem bases económicas sólidas para sustentar a viabilidade de direitos impossíveis de garantir, umas vezes saindo do Euro, outras rasgando o Memorando, outras renegociando unilateralmente com a Troyka, outras vociferando o «Não pagamos!» do deputado socratista não me lembro agora o nome e que jurava que os alemães se cagariam de terror. A julgar pela grande capacidade de insultar adversários de argumentos e de ideário, dir-se-ia que, para a Esquerda, ninguém fora da Esquerda e do braço socialista impostor dela, é democrata o suficiente para merecer conservar os dentes intactos. Só a Esquerda em geral e em Bloco é democrata; e só ela, com o Partido Socialista a Reboque, garante a defesa da Constituição, da legitimidade e legalidade democráticas com que se enchem barrigas e se oferece empregos. Quem não pense como esta Esquerda Talibã merece morrer, ser cuspido e destratado. Dá-me por isso um infinito prazer acontecer-me ser tratado segundo essa democracia sublime que quer fuzilar o adversário para ter razão e espezinhá-lo, caso ele defenda que a greve já não funciona nem convence, que o irrealismo dos socialistas desmobiliza eleitorados, e que ter de suportar o visco rançoso dos Sócrates anti-Salvação Nacional, dos Alegre ou dos Soares anti-Salvação Nacional é como frequentar a paralisia, a hipocrisia, a estagnação mais torpe e mentirosa, assente nas estratégias de insistência mediática do tipo nazi ou estalinista. O País tem o dever de caminhar na direcção oposta desses figurões mais democratas que eu e mais democratas que qualquer um, se quiser sobreviver. É preciso fugir, como quem foge da peste, do exclusivismo fechado e faccioso dessas vozes anacrónicas, conspurcadoras da rectidão, do interesse nacional e de um sentido de união pluralista e multicultural. É preciso rejeitar a manutenção das rendas, ganhos e recursos quase ilimitados que títeres como esses garantiram para si apenas porque tomam o Regime como seu, tutelado por si, coisa para eles. Os que não querem rupturas e se mostram incapazes de uma mudança de vida [desafiante e dolorosa, é certo] estão petrificados em si mesmos. As greves, os berros, as palavras de sonsa impaciência eleitoral que a Esquerda e a Impostora Ala Socratista corporizam, neste momento, são um serviço de traição aos mais altos desígnios do País, de interesse egoísta da pequena política, de destruição de Portugal. Não é preciso muito para perceber isto: todo o alívio de condições e maior favor que as potências ingerentes possam vir a conceder-nos acontecerão no patamar da lealdade. Não no do lodaçal da ruptura.

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