QUEM VÊ DILMA, VÊ DILEMA

A matéria política brasileira, hoje tão incandescente, deveria interessar-nos mais, a nós portugueses. Quer pelo que dela possamos aprender e colher para o momento crítico que vivemos, quer por simples instinto de quem se olha ao espelho a confirmar que é mesmo do tamanho daquilo que vê. Contra o que o populismo-socialista praticado por Lula deixaria antever, a Presidente Dilma movimenta-se hoje sob o pesadelo de um pesado e impiedoso criticismo. Das redes sociais às manifestações na rua, milhões sibilam ou vociferam o seu nome e apresentam uma dura agenda de exigências, cujo gatilho, já se sabe, foi a construção perdulária de novos Estádios de Futebol, ilhas sumptuosas-luxuosas com pobreza à volta. É como se, de repente, todo o populismo possível do passado redundasse agora em aguda impopularidade, transbordado o copo da paciência popular. A Dilma sobram vaias, embaraços em eventos públicos, cobrindo, à uma e por azar, essa mulher, ex-guerrilheira, que ousou assumir as rédeas do Gigante Sul-Americano. Em política, como na bloga, é preciso ter estofo. É preciso ter estômago. E um instinto de fuzileiro, tipo «Eles que venham. Todos.» Passos Coelho tem suportado calado os piores insultos, as mais baixas insinuações de incompetência e impreparação, as piores humilhações, não por ser corrupto e demagógico, não por ser gastador e inconsequente, não por ser saltimbanco fajuto, mas por todas as razões do nosso martírio social, pelo notório empobrecimento e calamitoso desemprego, do corte massivo de direitos, de rendimentos, prescritos para uma pequena sociedade política e economicamente proteccionista, fechada a fluxos financeiros de monta e investimento extra-europeu, paralisada e incapaz de qualquer dinamismo pelo menos desde a Mansovolução de Abril. Em causa, uma moeda, o Euro, e a sobrevivência dentro de uma união monetária imperfeita e assimétrica. Não é qualquer um que arrosta com máxima impopularidade e moções de quase pré-linchamento político. Do mesmo modo, a coisa tem pesado sobre Dilma, mas tendo como ponto de partida um sentimento popular de profundo aviltamento. Não é concebível que, de repente, o nosso eleitorado geriátrico visse em Jerónimo um eloquente modelo de político, capaz de gerar esperança, capaz de comover e mobilizar a nação, mas o correlato PT brasileiro teve no correlato Lula essa oportunidade impensável para liderar. Foi após tal deslumbramento que o Partido dos Trabalhadores borregou, escândalo após escândalo: o Poder vicia e os homens, os Bárcenas, os Dirceu, os Vara, não brincam nem romantizam quando lidam com outros homens no sentido de estruturar um respaldo estável da política e dos seus agentes: o Dinheiro entrou massivamente na estratégia de Poder a Longo Prazo do Partido dos Trabalhadores. O nosso PCP não tem fama de corrupto nem movimenta milhões de euros. Pelo contrário. Para esse prestígio, basta-nos o PS com variados zunzuns vindos de Portimão, Braga, para não falar dos sucessivos Freeport e sucessivos esquemas de privilégio e excepção, por exemplo, para a aquisição a granel de títulos universitários. Não é verdade que hoje, quando tão hipocritamente se fala em credibilidade, o PS não se credibiliza muio por causa da pesada herança dos variados abusos antidemocráticos de Sócrates ou das matérias negras agregadas a Soares, do Fax de Macau-Emaudio, às intermináveis revelações de Rui Mateus?! Não. Espantosamente, o eleitorado português é estúpido e perdoa. O mesmo se diga do entorno cavaquista, onde um Oliveira e Costa e um Dias Loureiro pontificam como intoleráveis escarros à honorabilidade de ex-detentores de cargos públicos. A ganância dos partidos mata a confiança e generaliza a descredibilização de um sistema político. O Regime tem branqueado tudo isto e outras coisas porque não presta, não nos serve de modelo de coisa nenhuma respirável e justa. Da mesma forma, Dilma sucumbe sob o problema em forma de partido que o PT representa. Recorde-se que, muito antes de eleita, a candidata Dilma não passava. A sua imagem não cativava. O seu discurso não mobilizava. Foi necessário que Lula comparecesse, omnipresente, na disputa eleitoral, para alavancar a candidata. E resultou. Pois agora, sob a vaia e sob a rejeição das massas, o próprio PT demarca-se da Presidente. Suspira até por um retorno daquele mesmo Lula que lhe deu tudo, após este ínterim de sucessão democrática falhada. É a conjuntura. Não por acaso, o PT não parece apoiar Dilma para as Presidenciais de 2014. Entre o combate à inflação e ao recuo do crescimento económico, entre descobrir e aplicar soluções para as reivindicações das massas, na Saúde, Transportes e Educação, uma Presidente debaixo de fogo não pode perder tempo e não tem tempo nem contexto para se maquilhar, refrescando a popularidade. São outros os imperativos. Lá como cá, as políticas por vezes urgentes e necessárias podem ser extremamente impopulares e colidir com os interesses políticos de um partido. Ao contrário de Sócrates, para quem tudo era marketing pessoal e vagamente político, tudo era soundbyte, para Dilma, para Passos-Portas, nada é, nem pode ser ou servir, para qualquer espécie de marketing pessoal. Entre mãos, o País e o risco injusto de linchamento à conta da resolução de dilemas com repercussões drásticas no futuro. É como se só uma perfeita besta corrupta e danosa pudesse sair a rir deste filme. Nunca um decisor. Nunca um homem de Estado. Esperemos que não seja a Malícia e a Traição a rir por último. Repare-se, porém, como os comentários mega-burlões na RTP dominical servem para condicionar a agenda e a liberdade decisória de Seguro pela não-assinatura de qualquer Acordo de Salvação Nacional e perceba-se aí a perversidade e a sujidade manhosas que os impunes aportam ao debate hoje em decurso em Portugal. Basta isto para que o movimento dos três partidos deva seguir no sentido inverso do cálculo político e da barganha eleitoral. Os problemas internos de contestação reivindicativa determinam que a Dilma falte o próprio partido tal como, em Portugal, os custos da aplicação do Ajustamento determinaram um stop decisório, a paralisia da coligação PSD-PP ante a montanha intransponível da absoluta urgência de cortes associada à máxima penalização eleitoral garantida: Dilma não pode escapar ao trabalho prioritário do País. É o seu pescoço que está em causa. Já o partido, os petistas, têm uma agenda estritamente política e de charme que não se compadece com desprendimento e filantropia políticas. Pensar em Dilma é perceber o dilema entre sucumbir à sombra de um partido, nos seus escândalos e lógicas pérfidas de sobrevivência, ou superá-la pelo interesse nacional. Dilema de Passos. Dilema de Portas. Dilema de Seguro.

Comments

rafael said…
O gatilho NÃO FOI a reforma ou construção de estádios, esse é um equívoco seu e da imprensa lusa q em geral é totalmente obtusa quando o tema é o Brasil, se fosse teria sido burrice dos manifestantes ter esperado q os estádios ficassem prontos quando poderiam ter interrompido ou pelo menos atrapalhado a sua construção, motivação para isso não faltou tal a quantidade de greves q fizeram os trabalhadores das vários obras. O tal do gatilho foi a surra q a Polícia Militar do estado de São Paulo (estado governado há 30 pelo mesmo grupo q hoje é oposição ao governo federal) deu nos manifestantes q
protestavam contra o aumento do preço do ônibus na capital daquele estado. Não há nada de luxuoso ou suntuoso nos estádios, só modernas técnicas e modernos materiais
da engenharia q se faz no século 21. Vaiar autoridades em eventos públicos é uma tradição no Brasil, novidade só se for para vc. O q aconteceu com o PT acontece em todo o mundo e tem a ver com financiamento de campanha q é problemático em todos os países, aconteceu na Espanha e acontece na Suiça onde o mensalão é até oficial e ninguém reclama e os deputados após eleitos são convidados a se tornarem membros
dos Conselhos das empresas q assim controlam aquilo q as convêm. Vc se equivoca tb em confundir o Brasil continental com o seu país tamanho de caixa de fósforos. A saúde, os transportes e a educação não são encargos apenas da presidente, são muito mais dos
governadores e prefeitos. A população sabe muito bem disso e reclamou por igual dos 3
níveis de governo. TODOS os partidos no Brasil têm os seus escândalos mas como a
grande imprensa do país é toda ela conservadora (assim como é igual tb na Espanha,Portugal, Argentina etc) o PT e o alvo e as mazelas da oposição são esquecidas. E como
já foi dito antes o tal do ''trabalho prioritário do país'' é distribuído pelos 3 níveis de governo E NÃO SÓ pelo ou pela presidente da vez! Dizer q Lula era socialista é uma total estupidez de quem nada conhece sobre o Brasil e o confunde com a realidade da caixa de fósforos e seu eterno PSD x PS
joshua said…
Vc é petista, não é? E está zangado, não está? Eu agradeço-lhe sinceramente o contributo que permite pluralizar as leituras sobre o Brasil: vivo metade no Brasil e metade em Portugal e evidentemente tenho muito a aprender acerca da política brasileira. Obrigado.

Já quanto à metáfora da caixa de Portugal caixa de fósforos, deixe-me dizer que uma caixa de fósforos parir um "armazém" de caixas de fósforos como o Brasil, estado a estado, não é para todos. A Holanda tentou e não conseguiu. A França não conseguiu. Portugal, além de ter feito imenso no Oriente da Índia ao Japão, fez aquilo de que Camões já falava: uma nova raça, uma nova gente em Vera Cruz.

Não há desculpas para o PT nem para o Mensalão: se é assim tão normal e vulgar corromper e ser corrompido, por que não se faz às claras e sob a bênção do Supremo Tribunal Federal?! Ficar-lhe-ia bem defender e preferir Joaquim Barbosa em contraste com quase toda a classe política do nosso Brasil. O meu cunhhado, por exemplo, sempre apoiou Lula e votou em Lula, mas bastou o PEC 37, proposto por um deputado do nosso estado de Pernambuco, para se tornar anti-PT, anti-Dilma.

Espero que isto queira dizer alguma coisa.

Obrigado, mais uma vez, e volte sempre.
joshua said…
Seja sempre bem-vindo, Rafael.

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