NEPOTEU, MEU AMIGO

Queixas-te, Nepoteu, que a minha acidez é infecta.

Que o País não está assim tão mau como eu o pinto e repinto

e muito menos em causa a República, assim douras a pílula e me penalizas e punes

ao sublinhar que o problema e a perspectiva errónea são meus.

E dizes que poderia eu prescindir do timbre azedo e ser mais construtivo e mais positivo.

Dizes que estou errado, que me deixo afectar por demais com o que não depende de mim

para ficar intoxicado de rancor e por isso deixar de fazer porventura

o que só de mim depende para vertê-lo às postas.

lkj

Nepoteu, Nepoteu, em primeiro lugar, lamento-te o nome. Com um nome assim,

nada de bom se pode esperar a não ser conformismo e alienação de favorecido.

Em segundo, lembro-te que o papel da poesia submersa no seu tempo

é ser aguda como um espinho e não plácida como o algodão.

Vai um País dormente e opresso esboçando apenas pequenas labaredas de fúria justa

com que sacuda um jugo que lhe foi sendo imposto sem apelo nem agravo.

Os Media mandam-nos para a cama e pedem-nos que sosseguemos na nossa fome.

Os bem postos e bem pagos passam com os pesados rodados por cima dos desesperados.

A Polícia carrega e limita o desespero dos desesperados.

O Governo faz discursos e pedagogias morais e civis com o desespero dos desesperados.

Vai um País que ainda tem medo e ainda respeita quem o não considera ou respeita.

lkj

Kafka, o checo judeu cuja obra literária foi quase toda em alemão,

sentiu-o melhor que ninguém. Irmão gémeo do Pessoa que todo se sublimou em Texto,

devotou-se também ele de igual modo a uma obra com a qual queria, antes de mais,

fazer sofrer quem a lesse e disso nascesse uma reacção qualquer oposta.

Ler o labirinto e ler o desespero, ler o encurralamento e ler o pesadelo,

ler o sofrimento e ler a tortura, tudo isto tem de gerar saídas e opções que tenham mais luz

para além do desejo intenso de ela, quando de todo falta.

Eu quero o mesmo.

ljlkj

Desengane-se quem outro julgue. Eu só quero motivar e provocar Portugal,

contundindo-lhe as carnes ignaras e jumentícias - dóceis! - a qualquer jugo.

Provocar. Motivar. Gerar Oposição.

Mas com a Espada e o Sangue das minhas hipérboles inconformistas.

Mas com o Extremismo da minha Mansidão sistemicamente traída e abusada.

Mas com o Excesso que outros, porque bem pagos para a Moderação Jornalística,

tanto temem e tanto mantêm domado e obediente.

lkj

Nepoteu, não és um meu muito bom leitor nem sintonizas com o meu limite

em face de estas coisas todas: a minha literatura, as minhas narrativas,

nasceram para ser um matadouro de ilusões, um calvário de expiações.

Era preciso que cada bom leitor fosse buscar, depois de me ter lido,

um Cristo indevidamente Banido da Cidade e da Palavra Invocadora dos homens.

Estás dispensado de me vir iluminar os sentimentos e a rebelião.

E estás dispensado de me enviar esses e-mails tão ao lado de mim-eu-mesmo.

lkj

Vai, vai de este blogue e não voltes mais, Nepoteu!