AOS CATÓLICOS IMPERFEITOS
Filho, por que suspiras e te enfadas?
Faltaste às missas todas, não foi?
Passaste a relativizar os Mandamentos
por te parecerem um enunciado naftalínico
e anacrónico qualquer, não passaste?
Deixa lá.
Pega na carta magna dos Direitos Humanos,
lê-a, e verás que é a mesma coisa em modernês,
e verás ainda que não há alminha mais renitente
que neles, nos Obedecimentos Mandados,
não veja uma linha de rumo incontornável
para que a pessoa seja pessoa
e não mais somente coisa entre coisas
neste mundo inteiro.
Em modernês,
toda a inspiração dos Mandamentos Obedecíveis mantém-se
e até se aperfeiçoa, porque lá,
onde se punia a falta à Lei com castigos mentais e corporais,
cortando a alheia mão,
cortando a alheia língua,
ceifando a alheia vida,
murmurando, linguajando,
instigando e maledizendo,
cuspindo e apedrejando,
guilhotinando e crucificando,
odiando o pecador com um santo e violento amor a Lei do Senhor,
em modernês pretende-se é a salvaguarda, a promoção
e o respeito pela vida alheia que é igualzinha à nossa
(e igualmente digníssima)
porque nas criaturas do Senhor também encontramos O Senhor,
está escrito.
E é por isso que tu, católico imperfeito ou mais-que-perfeito nessa imperfeição,
não precisas de rasgar o cartão de sócio,
quando te franzem o sobrolho de dentro ou de fora da tua Igreja,
pedindo-te os documentos numa operação stop à tua alma,
quando te pedem a papelada da tua fé,
e te pedem o arrazoado burocrático do teu catolicismo.
És mais amado e mais valioso
que o que diga a soma de um arrazoado burocrático qualquer,
seja onde for.
És mais importante e sagrado
que a folha limpa de uma vida sem pecado e sem risco,
sem tentativa e sem erro.
Vejo-te capaz do milagre de amar o que podes e como podes.
Vejo-te de pé na missa da vida
como quem espera que a justiça lenta se faça final e forte
e que a última palavra pertença a Quem-de-Direito,
enquanto o trigo e o joio aloiram e amadurecem juntos.
Depois, meu filho, lembra-te que a boa notícia
é que a Salvação nem está a saldo nem está pela hora da morte.
É uma coisa acessível, humilde e suave,
áspera apenas pelo que de instintivo e
reptiliano te controla e não controlas.
A Salvação é uma rocha firme
e aceder-lhe passa pelos teus sentidos,
pelo Pão Consagrado que a tua língua humedece e engole,
pelo Óleo Santo na tua fronte que te lembra a unção messiânica na Divindade Una e Trinitária
pelo Sermão da Montanha, apelo ao alpinismo do amor incondicional,
se fores homem para ousá-lo,
pela Água Baptismal na qual submerges e da qual emerges, saiba-lo ou não,
já revestido do mistério da Pessach Yeshuaniana,
onde a morte foi derrotada e a vida refulge para sempre.
Quanto às bizantinices do sexo,
que para os filhos da racionalidade
parece ser a pedra de tropeço
mais inarticulável com os conteúdos da Fé e da Esperança católicas,
ele, o sexo, que é alimento intocável do nosso bem-estar
porque amar e ser amado,
como a Salvação, também passa pelos sentidos,
quanto a ele, ao sexo bizantinado pelos iluminados da razão,
sugiro-te que, tal como com a comida e com a bebida,
o uses com garra e alegria,
usa-o como veste festiva
usa-o com tusa e intensidade,
usa-o com arte e com bom-humor,
desempenha-o como um touro e uma beleia,
que fazem o melhor que podem e ainda é pouco,
usa-o enquanto puderes porque nem sempre poderás.
Não deixes é que te use
e põe-te na pele daquele ou daquela que te atrevas a usar,
mesmo quando da ética que a dois ou a grupo convencionaste
penses sair incólume das consequências
ou sequer imune dos vínculos poderosos que geraste,
pois o sofrimento que ocasiones
pode ser um gordo cheque em branco de amarguras para ti também.
Pensa, portanto, que é preferível seres apaixonado a reprimido,
mas é ainda mais preferível seres um apaixonado responsável
que um apaixonado irrefreável.
Mas do que for feita a tua essência
será feito o teu caminho
e o teu caminho é processo e é diálogo.
És e deixa que sejas um católico imperfeito que estás muito bem assim.
Deixa que outros sejam católicos e cretinos perfeitos,
católicos e empresários sovinas perfeitos,
católicos praticantes
mas impróprios para consumo na solidariedade e na lealdade.
O que é perigoso é a coroa de espinhos para os outros
que mora num católico perfeito,
orgulhosamente brutal da sua perfeição.
Sê perfeito na tua humilde imperfeição católica
e já estarás muito bem assim,
juro!
Joaquim Santos
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Beijinhos Mágicos