PEDEM-ME NAPOLEÃO QUE OS FENDA
Súbditos de si mesmos,
do caos completo, do bafio e da perda,
da carne crua por que, já podre, se rasgam,
súbditos do completo sem rumo,
de pescoço servil e chapéu amarrotado na mão,
de joelho fincado no solo,
de pesarosa boca fatal fendida,
ao passar a carruagem da própria mediocridade,
pedem-me que os invada e vare,
pedem-me que os resolva.
Pedem-me que os devore de esta monarquia absoluta,
cabeça própria bruta: «Por que não nos violas e vens, Napoleão,
submeter-nos pela força à liberdade, à dignidade de cidadãos,
longe do veneno tirânico de nós mesmos?!»
Instam, imploram, lamuriam.
«Não sou Napoleão para que vá» - respondo cristalinamente.
E acrescento: «Vede-me bem. Não vos enganeis.
Tragar-vos-vos-ia sem piedade.
Mas escolho ignorar o que, zelotes, me pedis
num criptar poético de este meu pasmo à vossa estupidez violenta.
Napoleonai vós mesmos, se souberdes como.
Invadi, incendiai, pilhai, estuprai,
coroando-vos bolor vós mesmos imperadores.
Eu passo.
Fico aqui a fazer de Cristo.
Nada de lideranças.
Nada de condução de exércitos.
Nada de carros de combate,
de bigas, de quadrigas,
de amigos ou de amigas,
e nem pensar em discursos longos,
nem pensar em barbas proféticas,
ou olhos que fuzilam,
nem pensar em povos eleitos
de desassossego em desassossego.
Ide lá fazer de Barrabás.
Eu fico aqui a fazer de Cristo.»
Joaquim Santos
Comments
Excelente texto
"Do sublime ao ridículo é só um passo
...Note-se que é preciso tratar bem os homens ou então aniquilá-los."
Beijinhos
BoaSemana
Gostei, embora não me apeteça de todo fazer de Barrabás :-)
:)
Napoleon não podia vir em Portugal
:)
Uma ironia que me cristalizou o dia.
muito bom, beijinhos