ENTRE DOIS ABISMOS


João Gonçalves, aqui, chama a atenção para esta espécie de resumo
de dois dos principais dilemas com que civilizacionalmente nos confrontamos.
Esse resumo é um artigo de João César das Neves,
e que opto por transcrever na íntegra, ressalvando,
no entanto, que falar no regime iraniano como democracia
tem de nos gerar uma enorme revolta nas entranhas,
uma vez que por lá grassam os piores atentados à Pessoa Humana.
Se há democracia electiva é a máscara que não disfarça a cruel teocracia vigente:
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A universidade não costuma ver-se no centro de questões candentes.
Ocupada no ensino e elaboração do saber,
são-lhe mais próprias as discussões académicas.
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Mas dois acontecimentos recentes envolveram duas vetustas escolas
nos dramas actuais. A 24 de Setembro, o Presidente do Irão visitou a Universidade
de Columbia, em Nova Iorque. Na apresentação de Mahmoud Ahmadinejad,
o presidente da instituição prof. Lee C. Bollinger, citando críticas pertinentes,
insultou o seu convidado chamando-lhe "ridículo" e "ditadorzinho cruel".
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Em resposta, o político muçulmano, que é doutorado em Engenharia,
manteve a compostura e afirmou: "No Irão, quando convidamos alguém para casa,
tratamo-lo com respeito."O episódio, sendo menor, é muito simbólico.
Por um lado, um professor de Direito, especialista em liberdade de expressão,
cobriu-se de vergonha, violando as elementares regras de cortesia
e recebendo lições de educação do hóspede.
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Os muçulmanos têm justificadas razões de queixa,
a juntar aos cartoons nórdicos, que aliás se repetiram essa semana na Suécia.
Os ocidentais, ditos civilizados, parecem não saber a diferença
entre liberdade de expressão e insulto soez e gratuito.
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Mas desta vez não se ouviram protestos ou ameaças contra a universidade ou o professor.
Por outro lado, o primeiro regime teocrático xiita da História
não é uma ditadura desmiolada. É uma democracia que há quase três décadas
manobra com argúcia na cena mundial. Mas o programa nuclear do Irão
constitui o problema mais sério da situação presente.
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Há um ano, a 12 de Setembro de 2006, o Papa Bento XVI
visitou a sua Universidade de Ratisbona e fez uma conferência aos antigos colegas
intitulada "Fé, razão e universidade: Recordações e reflexões".
"Essa lição é um dos textos fundamentais do nosso tempo.
Quase o primeiro que realmente entende as dimensões totais daquilo que o nosso tempo
é intelectualmente" (cf. J. V. Schall, The Regensburg Lecture, St. Augustine's Press, Indiana, 2007, p. 9).
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Nesta abordagem sintética e brilhante feita por uma das maiores personalidades contemporâneas à nossa questão mais candente, o mote sucessivamente repetido é:
"Não agir razoavelmente é contrário à natureza de Deus."
Partindo deste princípio, o Papa desarma as duas maiores ameaças da actualidade.
O nosso mundo está refém de duas terríveis formas de obstinação.
De um lado, a intolerância totalitária de uma fé imposta pela força;
do outro a desorientação confusa de um agnosticismo arrogante.
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Os dois universitários que se enfrentaram em Columbia
há dias representam bem essas duas posições.
Perante ambos, vemos a figura serena de Bento XVI,
que na sua lição de Ratisbona ilumina com sabedoria os dois erros.
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Face à ameaça fundamentalista,
cita o imperador bizantino Manuel II Paleólogos em 1391:
"A fé nasce da alma, não do corpo. Quem quer que conduza alguém à fé
precisa da habilidade de falar bem e de julgar adequadamente,
sem violência ou ameaças...
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Para convencer uma alma razoável, não é preciso um braço poderoso,
ou armas de qualquer tipo, ou qualquer outro meio de ameaçar uma pessoa de morte.
"Face à desorientação da academia moderna diz:
"No mundo ocidental domina largamente a opinião de que só a razão positivista
e as formas de filosofia nela baseadas são válidas universalmente.
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Contudo, as culturas do mundo profundamente religiosas
vêem esta exclusão do divino da universalidade da razão
como um ataque às suas mais profundas convicções.
Uma razão que é surda ao divino e que relega a religião
para o âmbito das subculturas é incapaz de se inserir num diálogo de culturas.
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"Neste texto genial, Bento XVI traça em poucas páginas
a evolução que nos trouxe ao terrível dilema actual,
entre os horrores do fanatismo e do relativismo.
A única salvação é aderir à razão serena e ao Deus do amor,
como diz a grande maioria dos muçulmanos e americanos.
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Mas nesse caminho frágil não é nada bom sinal
que o único destes três académicos que foi criticado brutalmente,
nas ruas islâmicas e nas revistas ocidentais, tenha sido o Papa.
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João César das Neves,
professor universitário

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