O PRATO FERVENTE DA VINGANÇA
Foi como se fosse ontem. Ela estava de pé. Porta do carro aberta. Menina pequena lá dentro. Ela estava arranhada. Tinha o rosto lacerado. Sangrava. Estava ao telemóvel. Ali. Nada mais que o estacionamento de um Pingo-Doce como outro qualquer. Gente por perto na expectativa. O segurança, gigante, contemplava perto. Eu passava, atravessando esse estacionamento de nada me apercebendo e nada vendo senão o que vi depois e antecede o que passo a acrescentar. Por trás de mim, o rápido movimento de um Mercedes preto descapotável, que me quebra a passada, contornando-me, como num assalto. Contorno-o. Apeia-se dele um frango musculado nos braços, palito de pernas. Camisola simbólica. Nu nos braços rufiões, arqueados. Óculos escuros. Telemóvel na mão. Posta-se frente à moça de rosto sangrado: «Foi a outra? A menina viu?» Às duas perguntas ela responde sim. Não foi preciso mais. Poucos passos depois, a porta de uma casa com uma velha, guardiã do lar, ali, na dissuasão do pau de vassoura. Porta arrombada. Velhota pontapeada. Entra o frango. Entra a moça lacerada. Menino pequeno sai e vem para fora chorar, bater desesperos nas próprias pernas impotentes lá dentro. Louça que parte, a surdez dos punhos e dos pontapés. Velhota em gritos e descabelo. Silêncio. Violência silente. Os agressores saem. Dispersam. Vingança saciada.
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