PASSOS-RELVAS E O MILAGRE DA ORDEM E DA LUZ

«Sócrates, por convicção e natureza, tentava sempre esconder ao público o mais que podia da actividade do governo. Quando saiu, poucos portugueses percebiam o estado calamitoso em que deixou as coisas e até que ponto o futuro próximo, e o longínquo, estava comprometido. Ainda hoje os jornais servem dia a dia horrores de que nunca tínhamos suspeitado e a lista não parece perto do fim. Depois da catástrofe, esta política de Sócrates, que na altura alguma gente condenou, não foi naturalmente popular. Por toda a parte se começou a exigir a “verdade” e o que por aí se chama agora “transparência”. Segundo essa doutrina, o primeiro-ministro, e cada ministro individualmente, deve por razões de moralidade e limpeza fazer o contrário do que Sócrates fazia: ou seja, contar o que souber sobre o que se passa no governo e no país. Sucede que um bom governo exige invariavelmente uma grande reserva e não há melhor receita para se tornar malvisto do que uma dose excessiva de tagarelice. Mas, com meia dúzia de excepções, nem Passos Coelho nem o seu pessoal se conseguiram esquecer do abominável homem do PS e desde o princípio se puseram impiedosamente a falar ao “povo”, quer o dito “povo” se mostrasse, ou não, interessado pela conversa. Esta verborreia criou, como era de esperar, incessantes sarilhos. Nem o primeiro-ministro nem os ministros manifestamente decidiam em conjunto o momento e teor do que lhes convinha revelar aos portugueses. Pior do que isso: ninguém decidia por eles. Veio então a interminável série de gaffes, contradições, desmentidos, asneiras, fatuidade e pura patetice, em que o governo corre o risco de se afundar. Infelizmente, para resolver o problema a superior inteligência que nos dirige (suponho que Miguel Relvas), num lapso de certa maneira desculpável, resolveu, em vez de aconselhar à sua volta discrição e silêncio, angariar três novos notáveis para colaborar na imprescindível e urgente defesa do governo: Miguel Macedo, Aguiar-Branco e a célebre dra. Paula Teixeira da Cruz. Nunca notei em nenhum dos três dotes de eloquência e de persuasão. Mas com certeza o erro é meu. Só que não parece muito lógico que, para fiscalizar e coordenar as linguinhas vibrantes dos srs. ministros, se juntem mais três (não exactamente respeitadas pela sua clarividência económica) e se imagine que do acréscimo de barulho nascerá por um suspeito milagre a ordem e a luz. Pedro Passos Coelho precisa de menos palavras (dele e da sua tropa), para que os portugueses o levem muito a sério e para que Portugal tenha um ponto fixo de confiança. O resto é conversa. » Vasco Pulido Valente

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