SUSPENSÃO FURTIVA DAS REFORMAS ANTECIPADAS
«É
verdade que um Estado
que precisou de assistência
externa para continuar
a cumprir as suas
obrigações não pode ser
considerado normal. A
presença contínua dos burocratas
internacionais na nossa política
inaugurou na prática um
período de excepção baseado
em austeridade, sacrifícios e
aceleração das reformas. Tudo
isso justifica maior “liberdade”
do Governo com o objectivo de
repor alguma sanidade financeira.
Precisamente, também impõe
maior vigilância colectiva sobre
essa “liberdade” governamental.
Este estado transitório não
significa, nem pode significar,
que os nossos governantes
comecem a manobrar numa zona
cinzenta, aceitando que qualquer
justificação serve para decisões
políticas que não tomariam em
circunstâncias normais. O caso da
suspensão furtiva das reformas
antecipadas da Segurança Social é
um bom exemplo.
Aconteceu que o Governo
suspendeu as reformas
antecipadas da Segurança Social
praticamente em segredo.
Decidido a justificar a medida,
Pedro Lomba
Passos Coelho afirmou em
Moçambique que a suspensão
foi firmada sem conhecimento
público para que não houvesse
um recurso anormal às reformas.
E comparou a decisão com a
desvalorização da moeda. “É
um bocadinho como, quando
se tinha moeda própria, fazer a
desvalorização da moeda. Tem de
se anunciar a medida quando os
mercados estão fechados”, referiu
Passos Coelho.
Não, esta suspensão furtiva
não é um “bocadinho” como
a desvalorização da moeda.
Nem pode ser apresentada
nesses termos, porque as
responsabilidades do Estado
são muito diferentes num caso
e noutro. Quando os governos
desvalorizavam a moeda, o
anúncio dessa decisão faria
com que toda a gente tentasse
libertar-se dela, trocando-a por
outros activos cujo preço subiria
fatalmente em relação à moeda
nacional. Daí poderia resultar
uma desvalorização superior ao
pretendido.
Percebe-se que a intenção
do Governo com a suspensão surpresa era contrariar o mesmo
comportamento racional de quem
iria correr em massa às reformas
antecipadas antes de a torneira
fechar.
Só que a analogia é desastrada,
quando se compara as
expectativas dos agentes nos
mercados com as expectativas
e os direitos das pessoas sobre
as suas pensões. Não foram os
portugueses que descontaram
para a Segurança Social que
aprovaram a possibilidade de
anteciparem a sua reforma.
Podemos ou não achar a reforma
antecipada um direito bizantino
– eu tenho dificuldade em
compreender reformados de 55
anos –, mas a verdade é que esse
direito existe, foi com ele que as
pessoas contavam e, ainda que
seja necessário revê-lo, isso não
pode ser feito à sorrelfa, sem ao
menos conceder aos destinatários
o tempo adequado para decidirem
o que fazer.
Qualquer governo que
pretendesse, por compreensíveis
razões orçamentais, alterar este
estado de coisas teria sempre
que suportar o “risco” de um
aumento exponencial dos pedidos
de reformas. Esse seria, como
disse, um risco que o governo
teria de interiorizar, seria um
risco natural, podemos mesmo
dizer “compensatório”, mas pelo
menos o governo estaria a agir
com lisura e transparência. Uma
decisão-surpresa é que só pode
ser inaceitável para qualquer
pessoa de boa-fé. Coloquemo-nos
na pele destas pessoas. Sobretudo
sabendo que o Governo nunca
faria o mesmo, se fossem outros
os privados e os contratos.
Governar um povo em
emergência não pode ser governá-
lo pelas costas.» Pedro Lomba
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