AINDA CÂNDIDA OU A EPIDEMIA DA IMPUNIDADE

As recentes declarações da procuradora-geral adjunta Cândida Almeida geram a reacção mais natural possível entre nós, pelo menos para quem lê jornais e anda informado: a corrupção política em Portugal é supersónica, sofisticada, não é vista nem detida porque não se deixa ver nem deter e sobretudo porque à partida, para actuar, armadilha previamente a Justiça com a mais materna familiaridade. Nada mais chalado em Portugal que não considerar profundamente corrupto um indivíduo que enriquece obscenamente à conta da política, vai gastar os seus inexplicáveis milhões para Paris, e nada se passar. Mais: há um complementar silêncio religioso próprio de quem acata não pronunciar nem hostilizar esse nome, sequer para responsabilizá-lo dos nossos apertos e esganamentos presentes. Portugal é um país corrupto, mas não absolutamente corrupto. Só não é nem uma coisa nem outra apenas para quem vive de e para a corrupção. E não é porque a grande maioria dos políticos e funcionários sejam corruptos, mas porque a alegada corrupção política, geralmente não provada, beneficia objectivamente da protecção ostensiva dos agentes da Justiça, aliás postos nos seus lugares, graças à benevolência e gratidão dos partidos de Poder. Nós não necessitamos de lições preciosistas sobre o que seja ou não seja corrupção, e dentro dela, o peculato, o suborno, a extorsão, o nepotismo, o abuso de poder, e o que sejam crimes económicos e financeiros: estar na política e enriquecer rapidamente, gastar milhões impossíveis em Paris, mereceria uma atenção que frouxamente nem a socialista Cândida nem o socialista Pinto Monteiro concebem nas suas pequenas cabecinhas carreiristas, escolhidos ou mantidos a dedo para fazerem exactamente o que fazem. Nada. Não é que a corrupção seja generalizada em Portugal. Ela é somente impune e desbragada em Portugal. Não é conjectura nem boato nem questão de sanha política, sectarismo ou bota-abaixismo apontar o singelo facto de José Sócrates, em pleno olho do furacção-falência de um País, ter beneficiado objectiva e ostensivamente do seu papel de decisor político. Constata-se um trajecto pessoal absolutamente negro e nada recomendável perante o qual nada se faz, nada se determina. Cupidez desmedida, abuso de funções, avidez descomunal por dinheiro e influência, é esse o primarismo e é essa a insanidade mental contra os quais só nos calham Cândidas e outros grandes ministradores de indulgência maternal.

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