CANÇÃO DESGOSTUGALHOSA


Bosta de realidade haver uma caterva de espertos a cavalgar as multidões!
E eu que não consigo fazer pender o meu espírito para coisas cor-de-rosa
quando a massa de oprimidos cresce e eu caminho no meio dela.
Gente usada, mastigada, pela informação parca e parcial e depois regurgitada.
Gente deflectida dos bens que uns poucos, completamente outros, arrotam com enfado.
Ó conspiração silenciosa contra quem é fraco!
Conspiração informática, magnética, dos totolotos contra um povo inteiro,
contra o olho vivo de quem joga e sabe, por experiência, como e porquê os números dançam onde dançam e fogem de onde fogem.
Conspiração do capital a apertar com as pessoas multiplicemente - por todos os lados
uma lógica esmagadora a armar em produtividade e eficácia quando na realidade
é o mecanismo geral da escravidão geral a gerar geral eficácia no mecanismo de escravizar.

Louçã e Portas, o Paulo, esperamos em vós!
Ao menos vós atendei-nos!
Por que anda o Jerónimo sozinho a espumar verdades pelos cantos da boca!
Os nossos ouvidos clamam por ironias e tiradas cáusticas em tempo real,
coisas verbais da vossa lavra, frases daquelas sarcásticas,
que dão consolo aos oprimidos,
que sossegam os enganados, esganados, como eu e milhares.
Nós, os sensíveis,
nós, os ingénuos,
nós, os oprimidos por dentro e por fora,
não vos temos ouvido ultimamente.
Andais calados? Porquê?
Onde está o fogo cerrado do vosso verbo?
Vinde fazer contraste, ó Louçã, ó Portas, ó Jerónimo!
Não é que acreditemos em vós,
mas sempre perorais,
sempre fazeis assuada,
os vossos discursos são o circense da política,
aquilo que nos entretem e faz sonhar que falar conta, que contestar conta.
Aparecei e dizei frases-lixívia,
deitai amoníaco no chão sujo da vossa classe
e esqueceremos por momentos o que afinal e de verdade está mal na aparência de que verberais o que está mal.
Quero metralhadoras de sátira ao poder porque ele é determinado.
Determinado, mas estúpido. Determinado e reformista, mas papal-infalível e mouco,
determinado, mas megalómano e irracional.
As certezas e os rumos certos estão todos na mão do poder.
Fora do poder há só o zero e a desorientação.
Quando o papagaio grisalho nasal, que é Sócrates, fala,
eu sinto (e quando eu sinto alguma coisa é de um sentir agudo)
que além de o discurso auto-apologético, sorridente e positivo só na cabeça dele,
o que aí vem é aquela oposição à Oposição
em tom papagaiento antidemocrático absolutamente demolidor.
E choro!
Cavaco não era assim.
Nunca mandava balázios opositivos à Oposição.
Mas este papagaio está no céu das convicções e dos interesses do dinheiro
e tem a faca e o queijo na pata - deus papagaio do charme fêmeo que participa em inquéritos porque sim,
papagaio deus demonstrativo, powerpointesco - papagaio grisalho como o rei jovem Sebastião,
pré e pós Alcacer Quibir das areias grisalhas mortais,
esperança eunuca do Portugal judeu, na sua messiânico-dependência,
grisalho como Salazar, na sua virgindade sumo-sacerdotal,
voz em falsete nas radiofonias indiscutíveis nacionais
de um rumo certo que não soa bem.

Sebastião, Salazar, Sócrates - ó aliteração insssustentável de um povo que precisa imigrar
de si mesmo! Ó sss aliterado como hipérbole histórica natural de um povo
a quem faz falta um exílio novo,
uma nova grande derrota norte-africana,
um estágio iraquiano por que acorde de ser medíocre em tudo
até nas reacções nulas quando o pisam
a não ser que os calos lhe doam directamente e nem assim,
povo urgentemente fechado,
povo acarneirável por um clero político feito de mesmos,
feito sempre de merd-os-mesmos há muito tempo,
agora e sempre. Amen.

Eu, a bater no mesmo prego,
a aparafusar o mesmo perpétuo parafuso inútil em perpétua desaparafusação,
poético trabalho morfina,
minha provisória e quotidiana
morfina,
à falta de melhor.
Não vos parece escarninha aquela cauda escarlate?

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