ZOOPALAVRICÍDIO DO LEITOR
O poeta repete-se. E o dia, não? Repete-se a refeição e a voz.
Mesmo a morte, quando vem, é a mesma e igual,
assenta como uma luva a toda a gente, mas o poeta repete-se.
Mesmo a morte, quando vem, é a mesma e igual,
assenta como uma luva a toda a gente, mas o poeta repete-se.
É a ingratidão por te pôr à mesa farta um banquete de palavras, leitor.
Fossem elas um exército, um exército sem cavalaria, só peonagem,
e daria ordem contra ti, leitor.
Daria, general do dizer, instruções exactíssimas para que te cercassem,
sitiassem,
até capitulares,
antes de mais sede,
antes de doenças mais.
O meu exército-palavras efectivamente marcha, pterodactilograficamente,
organiza-se, sagitado,
para conquistar-te,
para flanquear-te e tomar-te, cidade após cidade após cidade.
É ele que corta as tuas linhas de retirada.
É ele que corta as tuas linhas de abastecimento,
que te seca as fontes.
É ele que te comprime contra a parede para que ou te danes ou te rendas danosamente.
Insólito enxame de vespas, sempre tão sós, cobrindo-te de aguilhoadas,
matilha esfomeada no teu encalço,
as minhas palavras-felino são o leão despedaçando a zebra débil, segregada do grupo,
que és,
leitor.
Imobilizar-te-ão, começarão a devorar-te os quartos traseiros,
quando ainda respiras, sentes, pressentes e percebes tudo,
erroneamente tomada por asfixiada nesta pressa sôfrega animal de grande porte das minhas palavras-urso,
quando ainda respiras, supiras e sentes,
embora no torpor do teu transe pelo espectáculo lúcido de seres zebra comida,
por isso é que não estrebuchas nem gritas deixando quem te come tranquilo a comer-te,
e já há saliva nas minhas palavras-tigre siberiano comendo o javali infinito da tua natureza cevada, leitor,
já há saliva por tanto sangue e tanta carne, leitor.
O poeta não se repete, leitor.
Eu nunca tinha escrito isto que escrevo e é espantoso que o escreva.
Só se percebe o espantoso do que se escreve lá muito depois, não logo,
porque o logo é ainda o dizer incandescente, arde.
Muda de pele, leitor, muda!
Não poderás crescer no meu poema se não mudares de pele, leitor.
Para isso, imobiliza-te e contorce-te assim, lentamente.
Roça o teu ser contra as ásperas rochas, rasteja.
Coleia até mim, sinuoso, pois agora és a serpente já derrotada em face das minhas palavras-mangusto.
Eu lido bem com os teus estratagemas,
os teus dentes não se me cravam que me envenenem de morte.
Sou eu que te devoro, leitor. Eu é que te tomo e integro.
O poeta nunca se repete, mesmo se não sabe aonde vai, não se repete.
Aonde vamos, quem responde?
Não há resposta fora da esperança de uma saída,
mesmo que para dentro de alguma coisa ou alguém.
É preferível entrar na boca jacaré larga do poema a sair para a esperança no nada.
O poeta não se repete e o leitor nem imagina aonde vai ter o poema,
a que armadilhas, a que emboscadas - o poema
é um campo minado e não há pé, perna, pénis e mais ainda que escape e não se desfaçam
no pisar incauto nas minhas palavras-percutor.
Poema de explodir,
poema de lacerar e de abrir.
Quem se repete é o leitor.
Tu, sim, leitor, repetes-te.
És sempre o mesmo na diferença epidémica do meu texto, nas mutações em peste do que eu crio.
Vacina-te, leitor.
Ou então deixa-te ir e que o contágio seja letal - quarenta e oito horas de febres, tosses, estercos
e seja o Céu que se te abra de par em par, abertura só para ti:
o meu poema aparecido, minha aparição poema,
incenso transcendente de sentido na tua boca concorde
como quem crê e comunga quer creia quer não creia.
Oiço, de repente, alguém em grito corvino. O público não ouve nem quer saber que alguém grite corvinamente.
O grito é como um desespero a frio, um desespero conformado de alguém que ainda não aportou ao meu poema, ainda não foi varado pelas minhas palavras-flecha,
ainda não teve os dentes-hiena das minhas palavras, despedaçando os seus ossos
de inesperado, um inesperado inconformado carnívoro, como se fossem manteiga, os ossos.
Que o meu poema se faça carne com carne contigo, leitor, contigo que te repetes (o poeta não se repete!) e então a voz-refeição serão altiva negação do que haja a negar.
Não, não nos submeteremos à coisa defunta da realidade.
Não, não há sabor a além-tudo senão no poema.
Nenhum poeta se repete, leitor.
Repete, leitor, javali foçando palavras alheias e engordando delas, o poeta, repete, leitor.
Eu estarei palavras-tigre à tua espera.
Fossem elas um exército, um exército sem cavalaria, só peonagem,
e daria ordem contra ti, leitor.
Daria, general do dizer, instruções exactíssimas para que te cercassem,
sitiassem,
até capitulares,
antes de mais sede,
antes de doenças mais.
O meu exército-palavras efectivamente marcha, pterodactilograficamente,
organiza-se, sagitado,
para conquistar-te,
para flanquear-te e tomar-te, cidade após cidade após cidade.
É ele que corta as tuas linhas de retirada.
É ele que corta as tuas linhas de abastecimento,
que te seca as fontes.
É ele que te comprime contra a parede para que ou te danes ou te rendas danosamente.
Insólito enxame de vespas, sempre tão sós, cobrindo-te de aguilhoadas,
matilha esfomeada no teu encalço,
as minhas palavras-felino são o leão despedaçando a zebra débil, segregada do grupo,
que és,
leitor.
Imobilizar-te-ão, começarão a devorar-te os quartos traseiros,
quando ainda respiras, sentes, pressentes e percebes tudo,
erroneamente tomada por asfixiada nesta pressa sôfrega animal de grande porte das minhas palavras-urso,
quando ainda respiras, supiras e sentes,
embora no torpor do teu transe pelo espectáculo lúcido de seres zebra comida,
por isso é que não estrebuchas nem gritas deixando quem te come tranquilo a comer-te,
e já há saliva nas minhas palavras-tigre siberiano comendo o javali infinito da tua natureza cevada, leitor,
já há saliva por tanto sangue e tanta carne, leitor.
O poeta não se repete, leitor.
Eu nunca tinha escrito isto que escrevo e é espantoso que o escreva.
Só se percebe o espantoso do que se escreve lá muito depois, não logo,
porque o logo é ainda o dizer incandescente, arde.
Muda de pele, leitor, muda!
Não poderás crescer no meu poema se não mudares de pele, leitor.
Para isso, imobiliza-te e contorce-te assim, lentamente.
Roça o teu ser contra as ásperas rochas, rasteja.
Coleia até mim, sinuoso, pois agora és a serpente já derrotada em face das minhas palavras-mangusto.
Eu lido bem com os teus estratagemas,
os teus dentes não se me cravam que me envenenem de morte.
Sou eu que te devoro, leitor. Eu é que te tomo e integro.
O poeta nunca se repete, mesmo se não sabe aonde vai, não se repete.
Aonde vamos, quem responde?
Não há resposta fora da esperança de uma saída,
mesmo que para dentro de alguma coisa ou alguém.
É preferível entrar na boca jacaré larga do poema a sair para a esperança no nada.
O poeta não se repete e o leitor nem imagina aonde vai ter o poema,
a que armadilhas, a que emboscadas - o poema
é um campo minado e não há pé, perna, pénis e mais ainda que escape e não se desfaçam
no pisar incauto nas minhas palavras-percutor.
Poema de explodir,
poema de lacerar e de abrir.
Quem se repete é o leitor.
Tu, sim, leitor, repetes-te.
És sempre o mesmo na diferença epidémica do meu texto, nas mutações em peste do que eu crio.
Vacina-te, leitor.
Ou então deixa-te ir e que o contágio seja letal - quarenta e oito horas de febres, tosses, estercos
e seja o Céu que se te abra de par em par, abertura só para ti:
o meu poema aparecido, minha aparição poema,
incenso transcendente de sentido na tua boca concorde
como quem crê e comunga quer creia quer não creia.
Oiço, de repente, alguém em grito corvino. O público não ouve nem quer saber que alguém grite corvinamente.
O grito é como um desespero a frio, um desespero conformado de alguém que ainda não aportou ao meu poema, ainda não foi varado pelas minhas palavras-flecha,
ainda não teve os dentes-hiena das minhas palavras, despedaçando os seus ossos
de inesperado, um inesperado inconformado carnívoro, como se fossem manteiga, os ossos.
Que o meu poema se faça carne com carne contigo, leitor, contigo que te repetes (o poeta não se repete!) e então a voz-refeição serão altiva negação do que haja a negar.
Não, não nos submeteremos à coisa defunta da realidade.
Não, não há sabor a além-tudo senão no poema.
Nenhum poeta se repete, leitor.
Repete, leitor, javali foçando palavras alheias e engordando delas, o poeta, repete, leitor.
Eu estarei palavras-tigre à tua espera.
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