JUDITE - DESEQUAÇÃO
Ponteagudizassem-se-me já estas unhas,
cravá-las-ia em ti,
rasgar-te-ia de lado a lado
se não estivesse já por terra por tuas mãos mutilado
se pudesse antecipar os teus planos
e pelo menos evitar perecer às mãos de uma mulher,
eu, que me tomei de paixão pelos teus olhos.
Com esses tecidos tão intactos e luzidios,
ó bela e fingida viúva de Manassés,
de repente lacerados,
queria ver se ainda massacrarias de rumor vil esses salões
socialmente correctos onde ecoa o teu triunfo sobre mim.
Porque a grande resposta - aquela que faz silêncio à volta e nivela os corações na miséria comum - é que alguém se rebele e mate a eito,
além dos corpos podres na alma,
esses vozeios mortíferos,
esses murmúrios malignos,
enquanto tendes, israelitas, a minha cabeça nas vossas mãos,
e bastava que esse povo me tivesse respeitado.
Quando as mulheres murmuram,
quando as mulheres conspiram,
metendo-se nisto que é de homens,
o mundo deve estar a chegar ao fim.
O meu chegou por minha espada em tua mão
enquanto, embriagado, jazia dormente
confiado em que te teria.
Quando as mulheres emitem juízos
e se determinam a alguma meta,
quando se armam em heroínas e intercessoras,
há a sombra fatal de uma nuvem negra
que desliza para fazer cessar civilizações, nações, famílias, projectos magníficos,
Judite, filha de Merari,
e tu sabes bem o cheiro que fica depois do movimento da lâmina,
bem conheces o por detrás do gume.
Mas eu, Holofernes, to digo:
não vale a pena.
Só atrasaste o desastre do teu povo,
não o impediste:
da obstinação no impossível
colherá amarga amargura.
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