MIL POEMAS: PALAVRASSÉDIO


Hei-de escrever mil poemas.
Mais de mil escreverei.
Poemas de luz e de sombra.
Poembos níveos ou sombrios voando em concurso com as palavras que calhar
eclodir de ovo deles.
Sou e continuarei a ser o tarado da palavra e do poema e o meu assédio nunca acabará.
Cercá-los-ei, assediá-los-ei, à palavra e à fêmea com nome macho, que é o poema.
Eu e as minhas esperas nas esquinas com propostas indecentes, colocadas com nobre sublimidade e dir-me-ão sempre que sim
e virão comigo, cada palavra, cada poema,
subrirão comigo a um quarto escuro,
de penumbra ardente, convidativa a intermináveis cópulas,
onde se cometem loucuras e se experimentam doidices.
Seduzirei as palavras, uma a uma. Dormirei com o poema por ser fêmea.
Tenho pressa de cumprir mil poemas, muita pressa.
De cio, de fúrias e de zelos,
ando em fogo pelas palavras: se as apanho, amo-as, fodo-as.
Não, não estou zangado.
Não estou ressentido com ninguém, apenas me interessa apanhá-las,
agarrá-las pelos seios-formas,
apetecem-me as suas ancas, tocar-lhes,
puxá-las para mim
beijá-las,
rasgar-lhes roupa e carnes,
despi-las,
submetê-las com alguma violência ou com toda
(há palavras que resistem num fazer de conta que se resiste)
e temos de ser fingidamente sádicos se com isso elas se nos rendem
e deleitam mais em adrenalinas de susto e de desejo.
Mil!
Eu disse mil poemas!
Não se fazem mil poemas sem assumir personas,
pontos de vista fingidamente radicais só para chocar, causar ahs!
e assumir um tom carnívoro de formas gigantescas.
Mil poemas é só uma rampa para dois mil e mais ainda.
Quero industrializar os meus poemas,
quero lançadeiras a vapor ou a diesel ou eléctricas - que os tecidos massivos se gerem poéticos
vinte e quatro horas por hora - não há lógica nem lei num verso de génio.
Só génio e força de vontade.
Não farei maldades às palavras,
só as assediarei e, como as sei seduzir, não tenho culpa que as palavras me experimentem enquanto as experimento.
Rabo sapo de Bane é uma experiência e uma invenção bestial - não há poética sem o seu bestiário
e eu construo o meu.
Mil poemas é andamento e TGV de alma.
Mil poemas é reacção à canina e desalmada política que fustiga os pobres.
Sem poema que aspire a mim não haverá quem verbere o pefil estúpido de estes fenómenos
miseráveis que temos de ler nos jornais do dia-a-dia português ou na própria pele
por acaso portuguesa também.
Políticos desalmados e políticas sanguinárias merecem mil pedras e mil paus:
se aguentarmos firmes o que nos fazem,
ao menos tenhamos a força do poema que é uma coisa de arte,
um acontecimento fatal e corajoso no meio da objectividade e da jornalice efémera.
Mil estados de alma.
Mil caravelas.
Mil espadas desembainhadas e logo cravadas.
Mil poemas a pefurar o tempo, a transpassar os flancos do momento,
meu sémen, meu zelo, meus eus, meu cuspo, suor agora,
que depois há eternidade.
Dor por enquanto,
que mais tarde levitarei sobre as nuvens da bem-aventurança
onde, fechando-os um pouco e respirando fundo,
pouso os meus olhos todos os dias.

Comments

Popular Posts