METRO
Deslizando, gera-se um zumbido quando o aço roça o aço, chiando.
Andar. Parar. Abertas as portas, entra e sai a fauna dos feios, dos sujos, dos limpos, dos velhos,
dos magros, das gordas, das nacionais e das estrangeiras.
Oh, essas moças romenas grátis, ciganas,
com estes vestidos compridos tão floridos e desbotados, parando, corpo a corpo,
a meu lado - a língua estranha, a sovaqueira de um avinagrado radioactivo indescritível,
as silhuetas femininas de um moreno perfeito, perfeito nariz de bom e nítido recorte,
uns olhos doces amendoados, figurinhas catraias,
a pequenês vagabunda de andar a pedir como quem anda em reposições hipermercádicas.
«Trindade, aqui?», perguntam portugueseando a pergunta. Respondem-lhe que não.
Parar.
Inundação nova. Entram estudantes. Riem.
Andar.
Empalidecem. Enrubescem. Empalidecem de novo. Nas moças em que acontece isto e aquilo respectivamente,
há um efeito lula na alternância pigmentária frequente de se ser adolescente
e se ter de cruzar olhares ardentes com o atraente estranho de serviço,
à mesma hora, no mesmo sector do largato veículo. As coisas boas da rotina.
Parar. Um vento de suspiros e respirações invade as portas abertas.
Andar.
Há música nas vozes que bruxuleiam.
Cada vez mais nórdicos, os nacionais murmuram correctamente, são discretos,
imitam o silêncio completo das mulheres ucranianas que vão limpar as casas de família,
as confeitarias e escritórios da cidade pela manhã,
elas, que estão sempre tristes,
sempre zombies da saudade pátria.
Não é por ser manhã, mas há uma triste deslatinização de Portugal que as multidões testemunham. Entra pelo Metro adentro uma seriedade triste e policial - há alguém a pôr Portugal na linha, há quem esteja a meter tudo na ordem:
há o cruzamento de dados, o aumento das reitas fiscais,
um povo que trabalha mais e folga menos,
uma ministra educativa à solta rugindo como um elefante enlouquecido,
que abalroa autocarros apinhados, automóveis que estacam à sua passagem,
gente em pânico correndo em todas as direcções e que ela pisoteia furiosa e pesadamente.
Um animal enraivecido, encarregado de se enraivecer, é para abater.
Todos sabem que é para abater.
Até o animal, ele mesmo, o sabe e é por isso que ataca mais, que investe mais feroz.
É hora de sair.
Parar. E ainda bem, porque alguém largou o peido e já não se pode.
É terrível quando os cheiros se soltam nos lugares públicos,
ninguém se responsabiliza e todos sofrem do choque com o metabólico alheio.
Que falta de educação não começarmos de repente a conversar ruidosamente uns com os outros,
a acenar efusiva e cumplicemente a cada um dos milhares de utentes de esta coisa, piscando muito os olhos a toda a gente: «Olá, meu!»; «Minha!»; «Tá tudo, bro?»; «Hei, bacano!».
Que milagre, que revolução, não seria
este povo engelhado de burridade e iliteracia, tão escarrante e bronco,
desatar ao menos a tagarelar entre si, com desconhecidos,
com os muitos velhos que fazem de Portugal admiravelmente velho,
com os poucos jovens que fazem de Portugal admiravelmente chavalo,
ali, em pleno Metro, a cavaquear banalidades com quem calhasse,
a exercer o ministério da simpatia indiscriminada,
ali, a olhar fugidiamente ou fixamente os olhos que nos olham,
ali, roçando discursos além de roupa e redondezas de corpo, nas horas de ponta,
ali, onde fungando e tossindo, nos salvamos e contaminamos,
apertando a mão à grande irmandade do acolhimento português,
tão generosamente vaginal na sua elasticidade hospitaleira:
um povo desatando a mordaça de timidez e ignorância
que as elites adoram apôr-lhe
porque lhes dá alguma coisa com que se enternecerem
sem terem de pagar um cêntimo por isso.
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Beijinhos