O GLAMOUR PASSIONAL
Um refinadíssimo sentido estético, num mau português, atirado para cima do lado alto-meso-social habitava-o como uma possessão havia décadas. Tudo pelo glamour. Nada contra o glamour. O seu sacerdócio era o requinte alheio, vigiado e nutrido, tanto quanto a sua subjectividade, esse prodígio de bom gosto, o caucionasse ou o censurasse nos outros. Submetiam-se a ele, desfilando, esses cadáveres com silicone e botox, nata da Capital, que o via como um Gianni Versace imperfeito, de arrebalde. Voz papal na maledicência ou na benedicência quanto a toiletes, ninguém como ele e também, que diabo, ninguém contra ele, coitado, tão bom e pacífico, de alma viúva à espera daquele passe de paixão fatal, como nos livros e nos filmes. Cinzas. Por fim, acabar em Nova Iorque ou, pelo menos, ter um momento patético por lá, isso foi dramaticamente alcançado como finalidade e desfecho, enredo todo drag-queenescamente engendrado, sopa de pútrido, onde nada falta. Uma pitada de macabro belo, umas patas de testamento mortal, umas asas de morcego andrógino, filão suculento de revelações mortíferas retroactivas queimando o vivo e confirmando o morto. A voz fina, adelgaçada do homicida pede um Shakespeare de iPad: To be gay or not to be gay, «– that is the question:/ Whether 'tis nobler in the mind to suffer / The slings and arrows of outrageous fortune, / Or to take arms against a sea of troubles / And, by opposing, end them. To die, to sleep / No more – and by a sleep to say we end / The heartache and the thousand natural shocks / That flesh is heir to – 'tis a consummation / Devoutly to be wished.»
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Dezenas de portugueses morrem por mês nas estradas, ou sobrevivem horrivelmente mutilados e desfigurados; brutalidades e crimes hediondos são diariamente relatados em nobres folhas como o CM; as falsificações estatísticas e os desvarios governativos de pinto-de-sousa continuam. Mas a malta dos esgotos-média quer é o drama-homo de Nova Iorque.
Pena é que aqueles dois não fossem já casadinhos pela nova leizinha de que as câncias e os pittas tanto gostam. Dava-se assim início a um novo tipo de flagelo social: a violência doméstica fufa. Em vez do típico homem dos cartazes (que incitam a denunciar um gajo com ar de camionista), poder-se-ia passar a ver um rapaz com ar-de-seabra exibindo uma pulseira electrónica, ou uma fufa feiota, baixota envergando calças largueironas e uma camisa à pescador. Nojo.
Ass.: Besta Imunda