CAMÕES REVIVO PASSEIA-SE POR LISBOA
Camões, o grande derrotado, o supremo maltratado enquanto vivo,
saíu da sua tumba a passear pela Lisboa d'Agora.
Reuniu os seus ocultos ossos,
revestiu-se da sua antiga carne,
cablou-se dos seus antigos nervos,
retomou o seu sangue antigo fervente,
a massa dispersa dos átomos que o fizeram conglomerou-se
para que se pusesse em pé e respirasse, na Lisboa de Agora Mesmo.
Por especial deferência, obteve retomar da visão a plenitude que cedo lhe furtada fora
e agora estava em pé, num século novo,
e via ainda melhor a face nova à Cidade dos Grandes Ócios e Derivas, pobre Povo.
«Vai lá ver aquela merda», dissera-lhe Pacheco,
outro Luiz,
mal chegou à comum Pátria Eliseia.
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E viera.
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Caminhando, caminhando sempre, Camões não estranhava nada.
Que lhe poderia interessar o reposicionamento das coisas de pedra,
a nova ordem urbana pombalina?! Era a gente que lhe interessava.
Mãos nos bolsos, trajava em desalinho. Não tinha espada.
Que povo deprimido era o que encontrava?
Um, que até a própria língua e brio e ousadia planetária enjeitava.
Um, que, para tudo, para o mal, para o bem, se borrifava.
Não valia a pena. Já sabia. «Aquela merda» era isto decadente que já sabia.
Pois já sabia do desastroso efeminado sebastião novo que dominava.
E já sabia das mentiras, das prebendas e sinecuras-Vara e dos do Povo desesperos.
E já sabia das desigualdades por grosso e do espezinhar crasso dos mais fracos.
E vira, tomando-se como exemplo, como ao Génio e à Glória
se cospem na cara e se desprezam com toda a força estéril da inveja
e da vingança apoucadora e ignara.
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Por isso, retorna Camões à sua tumba obscura.
Desagregam-se-lhe as carnes, pulveriza-se inteiro na matéria dispersa que o fizera.
Regressa à Submatéria, onde é feliz e para sempre vive:
«Olha, Pacheco, a geração decadente e predadora lá continua a medrar
por cima do Povo desalmada. Nem sei como te deu para octogenarizar-te
em face daquilo em que bateste e não mudou e te batia de miséria!
Em teu lugar, cedo assim morrera como cedo assim morri.»
Pacheco, embevecido, não respondia.
Com efeito, a tertúlia ali apetecia. Numa hora Bocage, na outra Camilo.
Um grande círculo de críticos verrinosos lusos se reunia para varar de rubor a putreNata
abjecta dos donos de Portugal pelas tetinas porcinas de Lisboa.
Pacheco, consolado, desmendicante, não respondia:
Havia um Céu: era aquilo e resplandecia.
Comments
Beijo grande
Desejo a você, sua família e amigos
um 2008 maravilhoso!
No dia 03/12/2007 te repassei um selo no meu blog, quando puderes passe lá, ok?
Camões deve ter se decepcionado
no passeio que deu ao sair da sepultura...
Talvez Camões, Bocage e Camilo estivessem imaginando que você escreveria este texto... Eles estavam a profetizar.
Porque em muitos dos seus sonetos se revela uma genialidade irônica na beleza de suas palavras e uma amargura que se torna bela através da magia que colocam em seus escritos... Penso que eles adorariam te conhecer e vocês fariam sonetos e beberiam vinho juntos.
E se eu estivesse por lá adoraria participar deste encontro (Risos...)
Deve ser por este motivo que eles escreveram os sonetos abaixo:
(ME PERDOE MAS NÃO RESISTI
E RESOLVI REUNIR ESTES SONETOS
EM UMA PARTILHA CONTIGO)
CAMÕES
A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contr' ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.
Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
üa é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.
Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;
porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.
(Luis de Camões)
BOCAGE
Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!
Pois manda Amor que a ti sòmente os diga
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel que a delirar me obriga.
E vós, ó cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!
Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar o meu coração de horrores.
(Manuel Bocage)
CAMILO
CAMINHO II
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho
É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto
Que choramos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.
(Camilo Pessanha)
Um abraço carinhoso de sua amiga
Juli Ribeiro.
Finalmente o grande joshua revelou-se e respectiva fonte de ternura...
Assim já sei a quem me dirigir quando for a um bar no Porto...
Quanto ao texto... eu, pessoalmente acho que o nosso país é que está entregue aos vermes...
Os escritores nunca foram assim muito populares, talvez por serem demasiados audaciosos na sua escrita... talvez por dar muito trabalho: ler, interpretar, interiorizar, imaginar... exercitar o cerebro vulgo aprender!!! É preferível ver filmes de violência (AI PERDÃO!!!) filmes de ACÇÃO (assim é que é...)
Camões se regressasse nem que fosse só á hora do almoço iria ficar chocado (e ele não era dessas coisas)com o que fizeram ao Portugal que ele cantou, o que fizerem á sua lingua, que ninguem fala...
GRANDE POST!
(agora vou ler os outros)
Bjs
Mia