DESIDÉRIO MURCHO
TOLERÂNCIA E OFENSA
lkj
«A tolerância é uma das noções mais difíceis de compreender.
Confunde-se geralmente com o relativismo epistémico
e esta confusão denuncia incapacidade ou até falta de vontade para aceitar a tolerância.
lkj
Os pensadores pós-modernistas são responsáveis
por contaminar a cultura contemporânea com esta confusão grave,
que acaba por tornar impossível a genuína tolerância.
Ser tolerante é aceitar o direito de alguém afirmar
o que pensamos firmemente ser falso ou errado ou inaceitável ou ofensivo.
çlk
Isto é de tal modo difícil de assimilar
que os pensadores pós-modernistas se sentem na necessidade de declarar
que não há "verdades", mas apenas "construções sociais da realidade".
E, por causa disso, todas as diferentes "construções" são igualmente aceitáveis.
Pensa-se então que esta atitude é tolerante, quando, ironicamente,
torna impossível a tolerância.
çlkj
Pois se ninguém pode realmente estar errado
nem dizer coisas falsas nem inaceitáveis,
não podemos realmente ser tolerantes:
limitamo-nos a aceitar todas as perspectivas
que reconhecemos à partida serem tão aceitáveis como as nossas.
klj
klj
Pior: a falsa tolerância abre as portas ao fanatismo,
cada vez mais presente na sociedade contemporânea.
O fanatismo consiste em usar sistematicamente a noção de ofensa
para silenciar os outros. Assiste-se assim à imposição de um discurso falsamente politicamente correcto, proibindo-se seja quem for
de dizer seja o que for que possa ser ofensivo seja para quem for.
lkj
Não se pode dizer que o cristianismo, o islamismo,
o budismo ou o judaísmo são basicamente tolices supersticiosas,
porque isso é ofensivo. Não se pode dizer, como James Watson,
que os negros são menos inteligentes do que os brancos.
Não se pode fazer cartoons a gozar com Maomé.
E, numa reviravolta digna dos Monthy Python,
os docentes da Universidade de Roma La Sapienza
declaram-se ofendidos com as opiniões do Papa sobre Galileu
e os estudantes encenam protestos mediáticos
análogos aos protestos contra os cartoons do Maomé.
lkj
A tolerância pressupõe a convicção do erro.
Só podemos tolerar o que estamos convictos que é um erro inaceitável,
uma falsidade patente, um absurdo ofensivo.
Tolerar é tolerar humanamente.
Não é tolerar epistemicamente,
no sentido de defender que qualquer afirmação é igualmente justificável epistemicamente.
Não é epistemicamente justificável a opinião
de que o Holocausto não existiu ou que qualquer negro
é menos inteligente do que qualquer branco
ou que os seres humanos descendem de Adão e Eva.
ljk
E é precisamente porque tais opiniões são claramente falsas,
claramente injustificáveis, que podemos ser tolerantes relativamente
a quem as defende. Ser tolerante é defender as pessoas que têm ideias falsas,
idiotas ou inaceitáveis e atacar essas ideias;
não é atacar as pessoas para evitar o incómodo de provar
que as suas ideias são falsas.
E, se tais ideias nos ofendem, paciência.
Não é possível garantir a liberdade de expressão
e ao mesmo tempo garantir que não seremos ofendidos».
lkj
22 de Janeiro, Público
Comments
Um abraço revolucionário
Não gosto muito da palavra tolerância. Prefiro substituí-la por compreensão e englobar nesta última todas as diferenças de opinião.
Um abraço
Li o teu comentário...
Eu vou continuar...não sei até quando.
um beijo muito grande