OBSCURANTISMO/FUNDAMENTALISMO LAICO DOS "SÁBIOS" DE ROMA


«Há dias que quase toda a gente os anda a condenar.
Parece-me que chegou a altura de lhes agradecer.
Falo dos “sábios” que a semana passada,
guiados por um velho estalinista e apoiados pela polícia de choque da “antiglobalização”, dissuadiram o Papa de visitar a Universidade La Sapienza de Roma.
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No fim, deram-nos a todos um pretexto para rever matéria
sobre teoria e história da tolerância. Não era esse o objectivo? Foi esse o efeito.
E permitam-me que também aproveite a boleia. Quem sabe?
Talvez os “sábios” tenham aprendido alguma coisa
e não nos proporcionem tão cedo outra oportunidade.
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Parece que há gente, na Europa,
a quem as religiões voltaram a meter medo.
Depois do 11 de Setembro, a religião tomou o lugar
que o nacionalismo tinha no tempo da guerra da Jugoslávia.
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[...] Enganaram-se de século? É por hábito?
Ou dá-lhes mais jeito mostrar contra o Papa
a coragem que lhes falta perante os jihadistas?
Pois: morrer pelas ideias, mas de morte lenta.
Sim, na Europa, até ao século XIX, as igrejas de Estado resistiram ao pluralismo
e à sua expressão. Mas a intolerância e a perseguição
que milhões de europeus sofreram nos últimos duzentos anos
não se ficaram a dever às religiões tradicionais,
mas às modernas ideologias laicas.
Os deuses dos que não acreditam em Deus foram sempre os mais sedentos.
Em nome do Ente Supremo, da ciência ou do racismo pagão, republicanos jacobinos, marxistas-leninistas e fascistas “moralizaram”,
proibiram e abasteceram largamente cemitérios e valas comuns.
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Os que prezam a liberdade de “errar” (e não apenas a de pensar “correctamente”)
têm uma dívida para com quem criticou os velhos dogmas,
como Voltaire, mas também para com quem resistiu aos novos,
como João Paulo II. Neste mundo, a liberdade de pensamento não tem pais exclusivos.
O fundamentalismo laicista trata toda a convicção religiosa
como o vestígio absurdo de uma idade arcaica,
intolerável fora do espaço privado.
Mas a fé não é fácil, não é uma opção primitiva
nem simplesmente um preconceito.
Ou antes: pode ser tudo isso,
mas pode também corresponder à mais forte exigência intelectual
e à disponibilidade para enfrentar profundamente as mais difíceis de todas as dúvidas.
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Exactamente, aliás, como o ateísmo: há quem o viva
como um dogma beato, muito contente consigo próprio,
ou quem o tenha adoptado como a forma mais conveniente de não pensar.
Muitos são hoje ateus pelas mesmas razões por que teriam sido beatos no século XVII.
E se mandam calar Bento XVI é porque, há quatro séculos, teriam mandado calar Galileu.
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[...] O jihadismo, como argumentou John Gray,
deve tanto ou mais às ideologias laicas europeias do que à tradição islâmica.
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[...] Nos EUA, a religião pertence ao espaço público,
sem que o Estado deixe de continuar separado de qualquer igreja.
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[...] Numa cultura intoxicada pela hubris da ciência e das ideologias modernas,
certas religiões conservaram, melhor do que outros sistemas,
a consciência e o escrúpulo dos limites.
O mesmo se poderia dizer da questão da verdade,
que a ciência pós-moderna negou,
sem se importar de reduzir o debate intelectual ao choque animalesco de subjectividades.
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Não, não é preciso fé para perceber que das religiões reveladas
(e doutras tradições de iniciação espiritual)
depende largamente a infra-estrutura de convicções e sentimentos
que sustenta a nossa vida.
O seu silenciamento no espaço público não seria um ganho,
mas uma perda. No dia em que não pudermos ouvir Bento XVI,
seremos mais obscurantistas e menos livres.
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Obrigado aos “sábios” de Roma por nos terem dado ocasião para lembrar isto.»
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Rui Ramos, Obrigado aos “sábios” de Roma, (excertos), in Público

Comments

Pata Negra said…
Obrigado pela oportunidade dum texto que me ajudou a arrumar, ou a sedimentar, certas ideias. Estamos num país de gente com nome de santo, onde todos os ministros tem nome de santo e onde há dias um iluminado se lembrou de mandar mudar o nome às escolas que têm nome de santo.
Cardeais de agora, são os Constâncios e outros que andam debaixo das saias do Sócrates, é dessa igreja que eu sou temente!
Dou-te a minha benção
Joshua
Temos santos a mais e obras poucas.
Prefiro menos santidade e mais generosidade.
Beijinhos
Anonymous said…
Obrigado pelo seu texto. O ser humano é tão frágil que, mesmo vivendopor dentro da Fé, precisa de ouvir (ler), de vez em quando, uma palavra de encorajamento, uma palavra de esclarecimento.
quintarantino said…
Os ídolos de pés de barro? Matem-se!
antonio ganhão said…
Existe em tudo uma abordagem de self service. No supermercado das espiritualidades, as que nos são mais estranhas tornam-se as mais apetecíveis, com menos constrangimentos e maior modernidade (no sentido que melhor satisfazem as necessidades do homem actual).

O homem procura preencher o seu vazio julgando encontrar aí Deus…
Zailda said…
Obrigada pelo comentário no meu blog, estive também olhando os seus e me agradaram muito, parabéns!

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