TROUFÍADAS: OS CAVALOS MORTOS DE SIZA E GHERY

«Obviamente que a comparação não é entre a obra do Renascimento ou de qualquer grande período de génio da Aquitectura com o que Taveira ou Troufa fazem. Não é preciso conhecer grande coisa para perceber que são coisas de "ligas" diferentes. A questão está em que sempre que há ruptura há reacção. E mesmo em períodos de génio houve os maus e os bons. Podemos qualificar a arquitectura de Taveira de cenografia. Em enorme medida é-o. Veja-se a antiga sede do BNU na 5 de Outubro à qual ele se limitou a mudar a cor, por um topo de guitarra portuguesa e umas meias esferas de latão. 
Se tivermos de falar de pós modernismo ele é uma pálida sombra de Rossi ou de Graves. Mas seria diferente a reacção se as Amoreiras tivessem sido feitas por qualquer um dos dois? Mesmo sabendo que a qualidade da obra seria incomparavelmente superior teria gerado polémica e ruptura. O problema é que mesmo retirando estes dois da imagem, o que resta de arquitectura neste país não é brilhante. Há obras ocasionais de qualidade mas a esmagadora maioria do que se constrói é repugnante. Ainda que alguns possam tecer considerações informadas acerca desta ou de outras obras, a maioria não o pode fazer. E incluo arquitectos nesse rol. Não só porque muitos são responsáveis por incontáveis porcarias em que puseram a sua assinatura por esse país fora (para poder sobreviver), como se tivessem tido a oportunidade teriam feito tão mau ou pior que Taveira ou Troufa. Não há uma obra que rompa com o hábito, que não tenha tido reacções adversas. Não se está a criticar os materiais ou os espaços. Está a criticar-se a estética. E criticar acidamente uma obra de arquitectura apenas por esse prisma é como disse antes, muito falível. PS.: Há do Gótico, Renascimento e Barroco verdadeiros abortos. Tal como existem na música e na arte em geral. Há bons, e são esses que ficam para a história e aparecem nos livros, e os maus nos quais tropeçamos ocasionalmente. Sempre foi assim e sempre será assim. E já que falamos de confúcio, para mim (e mais uma vez realço que é a minha opinião) quer o cavalo de Siza quer o de Ghery já morreram há uns tempos. Ia sendo altura de arranjarem uma montada que pelo menos andasse.» Groink

Comments

Anonymous said…
Caros Joaquim e Groink (que eu gosto de ler): é interessante o que o maldito pudim informe de Troufa nos proporcionou. Tem este 'post' razão - inteira razão - acerca dos variadíssimos "cavalos mortos" que pela Arquitectura (e não só) pastam ainda como fantasmas. Ghery, nos anos sessenta junto com Ejduk e Meyer, fez e projectou várias coisas brancas e rectilíneas; veja-se no que veio a dar, por fim. Para mim o tipo enjoa-me; e é uma espécie de panaceia para toda e qualquer instituição do mundo que pretenda "Um Museu de Arte Moderna ou Contemporânea". O seu método consiste, segundo calhandrices pouco credíveis, em deformar e pontapear maquetes de coisas direitas, afim de obter a 'ideia'. Ora porra para todos estes vígaros: não gosto de receitas apalhaçadas, sejam elas caras e revestidas a placas de titânio ou baratas e revestidas com chapadas atalochadas de reboco pintado (mais à portuguesa). Originalidade: Siza Vieira, passada a interessante e inteligente (para a época) fase da arquitectura do tipo "inquérito à arquitectura popular em Portugal" e do "regionalismo", amargou algum tempo num deserto de encomendas - até que se relançou, e bem, num repescar do Expressionismo Alemão dos anos 20; e parecia nem querer ocultar as influências - Bruno Taut, Hugo Haring, Hans Sharum - recuperando formas maciças, estranhas, 'puras' mas deformadas, "ferros de engomar" postos ao alto, etc. Evidentemente que a Obra dele é mais do que isto; muito mais. E que tudo se gasta e passa de moda; cada vez mais e mais depressa. A "Arte", hoje, tem de competir diariamente com rapidíssimos abastardamentos, apropriações indevidas e com a publicidade: não há como resistir e a Arte não resiste - seja lá o que for que "Arte" signifique - e esvazia-se.
O Gótico francês e alemão (e mesmo britânico) cumpriam, num constante desafio, a perseguição a um objectivo impossível: edificar a Nova Jerusalém, a promessa aos fiéis do Céu na Terra. O nosso Gótico sempre foi pobre e mais dado a deitar-se do que a elevar-se até aos píncaros - tendo adoptado por vezes a casca tosca do Românico que era mais escuro e mais barato. A cada macaco seu galho, mas não desistamos de projectar e edificar bem e de forma equilibrada: daí virá mais vital e facilmente o rasgo do que a busca neurótica do rasgo pelo rasgo. Num tempo em que pouco há a dizer, muito se escreve sobre edifícios e obras sem significado. Detesto este tempo em que se defende e procura permanentemente a bizarria e o excepcional e os vitelos com duas cabeças e os cavalos com cinco pernas (pentapérnicos). Melhor seria que os arquitectos nacionais fossem profissionais competentes, bons técnicos e tivessem uma boa qualidade média no que respeita a desenho, sem se deixarem impressionar constantemente por vedetas.

Ass.: Besta Imunda
joshua said…
Caríssimo, já sabe que eu sou há imenso tempo um seu indefectível e também do Groink. A concordância e a empatia por cada qual jorram do mais fundo das minhas entranhas.

É para mim um prazer absoluto e uma obrigação cívica 'partilhar-vos' com quem faz o favor de me ler.
Groink said…
E não é que temos uma admiração triangulada? Ah Ah. Nunca passa um dia sem vir a este blog. Quando esse dia me traz um comentário do "Besta Imunda" (mil perdões...) o meu dia está ganho.

É verdade... O que havia de trazer a nau naufragada de Troufa.
A arquitectura é algo que me toca de perto de muito perto.
E toca-me o mau e o bom. Gosto de evolução e gosto de ruptura.
Claro que a ruptura gratuita de nada serve. Mas quando se nota um traço de génio nessa ruptura percebe-se o quanto de avança de uma golpada. Às vezes só se percebe anos depois.
O pavilhão de Mies van der Rohe em Barcelona é por si só uma peça com valor intrínseco e independente de qualquer outra consideração. Mas quando contextualizada na época em que foi feito é de deixar o queixo no chão. E é pequeno. E simples. A minha mulher olhava para mim com estranheza enquanto andava à volta dele e me lembrava que 25 anos antes quando o vi num livro não lhe dei grande importância. Os meus filhos pensavam que eu estava "parvo". Afinal aquilo para eles é banal. Hoje percebo o que é estar anos à frente. Era demasiado jovem para o perceber. Os meus filhos ainda são demasiado jovens para perceberem que eu percebi.

Sigo de muito perto as questões da arquitectura e quando ouço uma crítica gosto de a ver fundamentada. E hoje quando se ouve uma crítica a Taveira ela é superficial, muitas vezes insultuosa e muito pouco informada. Ou apenas porque se é do Benfica...
O homem sabe de arquitectura. Só que entre saber e fazer qualquer coisa genial vai um passo de gigante.
E convenhamos que sem alguma formação em arquitectura é muito difícil criticar com conhecimento de causa. E não falo de conhecimento académico. Pode ser apenas conhecimento autodidata, mas por favor, que seja algum.
E percebi desde logo que o conhecimento aqui era coisa que não faltava. Porventura bem maior que o meu.

Troufa e Taveira não são génios. Troufa é na cabeça dele.
Taveira sabe que não o é, mas é esperto e sabe que mais vale ser um homem de negócios que um artiste.
Troufa acha-se um artiste e desdenha a parte do negócio.

Mas o facto é que hoje seria difícil conceber a silhueta de Lisboa sem as Amoreiras. Muitas vezes parei ao por do sol junto à cadeia de Monsanto a olhar para aquilo e a pensar. Belo? Horrível? Se não fosse aquilo o que é que estaria ali? Seria mais belo? Mais horrível?
É um ícone sim senhor. É o nosso iconezinho.

As minhas razões da antipatia pelo trabalho de Ghery e de Siza têm um fundamento comum. Previsibilidade.

A Siza chamo-lhe o Manoel de Oliveira da arquitectura. Tal como os filmes de Oliveira a arquitectura de Siza traz-me calma. No caso dos filmes essa calma degenera em várias fases do sono.
Mas convencionou-se com os dois (a partir de uma certa altura) que eram o máximo. E assim a receita repete-se indefinidamente.
Ora para quem gosta de novidade, um ritmo de fachada de Siza ou a sua utilização de planos é a coisa mais previsível que pode existir.

Ghery pelo oposto. Esse está apostado em que nenhum CAD consiga desenhar o que ele pensa. É um sketcher on steroids. Titânio, alumínio, aço. Todos os metais desde que sejam tortos e causem o maior dos transtornos em obra. Ele não podia ser um génio sempre. Ao tentar sê-lo repete-se no desvario até se tornar ... previsível.

Muitos pensam que eu cometo um crime de lesa majestade ao falar assim de Siza e de Ghery.

Paciência.

Cá sempre se formou o arquitecto como um artista. Pelo contrário a escola anglo saxónica forma técnicos competentes dos quais saem artistas surpreendentes.

Bastava apenas que se tivesse formado uma geração de bons técnicos, com boa visualização dos espaços, atenção ao detalhe, conhecimento histórico e bom sentido estético.
Tudo isto se ensina.
Hoje é tarde demais.

Seja como for apreciei mesmo esta nossa troca de argumentos. Acabamos por nos encontrar no meio do caminho.
E quanto à igreja do nosso artiste só espero que não o deixem pintar o casco da nau nem por lá as caracoletas...

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