ISTO NUNCA É O QUE PARECE
Se a Noite não fosse prenhe de inusitado,
se o insólito e o inesperado não a varassem de lés a lés,
certamente aquela moça magra dos darfurianos olhos afundados de que já escrevi,
a tal sempre à distância como os antigos leprosos,
seropositiva como quando a nuvem é mesmo Juno,
toxicodependente, pedinte, mas igualmente prostituta,
certamente, dizia, que essa moça nunca se atreveria há algumas horas atrás
a espreitar para o Pub e a desancar lá para dentro uns informes em alta voz
na imagem lingrinhas do meu cançonetista patrão nocturno.
Ele, que é um tipo light, não é que cante. Ele mia.
Mas isto é um aparte.
lkj
Segue-se então que ela veio por moedas, já se sabe para que fim.
O meu patrão lingrinhas e hippie resistente,
que estava ao piano, enxotou-a como pôde, mas em vão.
Pelos vistos, a moça queria-as tão desesperadamente
que se não fosse a bem seria a mal,
sendo que 'mal', aqui, é somente a respectiva e inesperada má-língua corrosiva.
Eu estava ali, é verdade. Mas nada se pode fazer perante certos imperativos.
Os acontecimentos tomaram proporções grotescas e resolvi actuar
não actuando.
Certo é que o homem, o fininho do meu patrão, um tipo tão fixe!,
ficou mesmo nu em poucos segundos!
A clientela, sempre bebida e distraída, talvez em nada de relevante tenha atentado,
mas quem estivesse perto da porta ou de mim, foi somente o espectáculo da vida real.
Não há imagem pública que resista se vêm dizer de nós, mesmo mentindo,
a mais jocosa calúnia, a mais hilariante injúria,
como ela veio dizer convicta e chantagisticamente dele.
Salvo se não se ouvir nada.
Isto nunca se sabe e nada é o que parece: uma pessoa olha para ele
e vê apenas isso, um lingrinhas inócuo, boa praça, camarada até.
Ela chega e desata a dizer que o pobre é mas é um putanheiro em altíssimo grau,
que recorreu imensas vezes aos seus favores sexuais;
que está sempre pronto para uma puta qualquer na sua cama errante,
caso não tenha qualquer coisa como-mais-ou-menos-tipo uma fêmea institucional certinha;
diz que muitas vezes a levou, a ela!, até ao super-mercado
de todos os super-nirvanas químicos
só para depois assistir ao espectáculo cheio de pica de ela a ter um.
lkj
E pronto. Era um filme.
Perante aquilo, aquele homenzinho, que já não cantava, calou-se ainda mais.
Várias moedinhas foram dadas por gente ao pé. Ela lá se retirou do centro da cena,
como Joane, o Parvo vicentino. A vida ali seguiu o seu livre curso useiro.
O meu patrão lá recomeçou a cantar a rumba interrupta. A miar é mais o caso!
E a Noite retomou o seu caminho onde misérias não contam, só os supostos gozos,
lavada da pátina-verdade duvidoso-credível de esta pobre moça,
num seu lado soterrado de tragicómico inaudito.
Comments
Este é dos blogs mais escritos que tenho em lidos!
- Vês, Joshua! Não sei escrever! Gosto de ler-te e olha que sei que não usas sapatos de puxar lustre!
Um abraço de quem ouve os teus tons
Vou continuar a andar por aqui. Há coisas que não se comentam, sentem-se, engolem-se, mastigam-se...
Porra! Já estou a engasgar-me!
Um beijo