CHOVE NO MEU PERNAMBUCO


Chovem, na minha alma, saudades da minha Roça,
do meu Açude de Piabas, Traíras e Tilápias,
ânsias pela minha Caatinga cerrada, espinhosa e odorosa,
ainda mais odorosa pela noite e madrugada fora,
sob aquele Céu Intenso que Canta
como vibra e canta a insectagem em derredor.
lkj
Chovem, na minha alma, saudades de um Povo Dado,
capaz de amar e de acolher «o Português» como se fosse e falasse chinês,
convocando a anedota compensatória e a ancestralidade essencial reclamada.
Chovem, na minha alma, saudades, ânsias,
pelas conversas emotivas, vivas, entre caçadores e amantes da Vida Toda,
e a surpresa de uma Cascavel, na sua cova, chocalhando à mão que escava,
e o Tamanduá, o Tatu, a Caranguejeira elegante e peçonhenta
assomando da Mandacaru em fenda,
Oh, saudade do sorriso amigo que cumplicia e ama!
Oh, saudade da palavra dada que ama e cumplicia.
lkj
E escrevo isto com filha, meu fruto, ao colo, hemifeita com o sangue de lá:
(temos almoço familiar, bem regional, com Bode, Macaxeira e Rubacão!)
esta minha Lindinha tem sono, mas não se lhe rende, não está na sua casa,
a casa da tia Tá não tem o mesmo cheiro,
a mesma manta de afagar e o mesmo berço de aconchego,
para se deixar adormecer confiante.
E escrevo isto a dedo, só com um braço e uma mão sobre o teclado
(negra plataforma que, deste 5.º Esquerdo, pela janela,
parece lançar-se em vôo para o horizonte de Mar beijando, lá longe, Matosinhos),
com o outro braço e a outra mão
estou só a prover de ninho e consolo
o desconsolo deste meu Bebé desconsolado e doce colado ao meu peito.
ljkjh
E dizem-me que chove lá, no recôndito interior do meu Pernambuco,
e vai tudo verdejante e viçoso lá,
onde, há tempos, me autorizei a saborear a Vida e a Amizade em pleno,
mitificando-as, talvez, avisam-me certos escrupulosos escrutinadores
dos meus porventura mitos gozosos,
porque para certos escrupulosos escrutinadores dos meus porventura mitos gozosos,
gente como eu, mitifica sempre tudo o que alguma vez lhe deu Plenitude e Sabor,
querem que eu seja realista,
que trabalhe muito as Receitas do Sucesso
escachadas nessas dezenas de milhares de livros light
com que certos escritores portugueses têm 'sucesso' em Portugal,
e que ainda não estou no meu verdadeiro ponto literário do 'sucesso'
e que sou imoderado na verve e no impróprério,
e que só estou no ponto em matéria de Azedume Criativo,
mas não em convergência com o que essas massas pagantes
demandam de mim postador e escritor.
E eu já não sei se me interessa convergir!
Porque não estou nada em convergência
com o Colete Invasivo-Sanitário-Democrático Europeu,
que é uma burocracia sem Povo,
nem com a produtividade esmagadora de um Chinês,
nem com a eficiência auschwitziana da implacável Lurdes da Educação a fazer Despachos
e a rolocomprimir absolutamente ensinadores como uma baleia destravada a filtrar kril,
nem com a maravilhosa auxiliância do Sistema de Saúde Nacional a fazer desmanchos,
nem com a consoladora conformidade geral anedotesca
de anedotizar placidamente Luís Filipe Menezes,
o Saco-Porradeiro mais à mão de Anões como Sarmento ou como Aguiar Branco,
ou como o que subjaz à Ética-Marreta falante Pacheco-Pereira
ou à Sibila Absoluta Infalível Marcelo Rebelo de Sousa,
e, cuidado, que ainda me despenho de tanto Prazer, Sorriso, Alegria e Fecundação
havidas lá, no meu Céu Imaculado, Humanado, Interior Pernambucano.
lkj
Abandonem-me ao meu direito de ilusão, deixem-me ao pensar ter sido feliz e amado!
Não me estigmatizem a experiência pernambucana
com os mitos que delas faça eu!
Não me roubem até as ilusões e os tesões havidos,
as Festas e as Recepções, as Longas Noites em Conversa,
o Balançar na Rede,
o Cheiro das Frutas,
o Português Oratório e Amplo,
a profusão de Gente Amável e Solícita,
as Mulheres que desfilam em Seda e em Cio tão Pele, pela avenida principal,
ou o cheiro a Crime Passional e a Febre por Cachaça,
ou a libertação mais liberta do Motel com Tudo, até Privacidade Libertina para quem se lhe dê,
ou as Narrativas-Macho de Aventura,
ou as Narrativas-Fêmea de Sepultura Afectiva e submissão a Infernos de Mel,
a Fome, o Calor e a Seca,
a Húmida e Fecunda Simplicidade e Bem Viver,
as crianças que brincam e bulham.
lkj
Uma Família Enorme que se acalenta e confirma.
lkj
Com efeito, tudo isto é abolutamente meu!
E pode, porque assim eu quero!, chover de saudades ou fazer sol de possuir Isto,
o Pernambuco Profundo que se me entranhou no Coração.

Comments

Tinta Azul said…
Obrigada pela visita e pelas palavras. Boa semana :)
Lori said…
Thanks for visiting my blog the other day and for your nice compliment. Greetings from New York!
Tiago R Cardoso said…
Continuas com saudades ?

Grande momento, grande texto.
René said…
Viva Pernambuco e o Joshua todo ele feito tesão.
Anonymous said…
Professor Joaquim! Qual não foi o meu espanto quando hoje entro no hi5 e na secção de "Aniversários" constato que faz anos no mesmo dia do que eu =D
antonio ganhão said…
Não vou começar por dizer que o texto está um pouco longo, mas conseguiste lá enfiar as tuas duas paixões-ódio: a ministra da educação e o Felipe Menezes. Nem o retrato de família ficaria completo!

O Sarmento é anão? Na me parece.
Joaninha said…
Josh,

E leio e leio e leio, E quanto mais leio mais lhe tiro. Adoro a tua escritata complicadamente simples e cheia de informação. Se bem que ás vezes me perco um pouco, mas isso sou eu que só tenho dois neuronios ;)
Anonymous said…
Saudades do Pernambuco?
Queres matar saudades?
Mas queres mesmo?
Sério?
Então espreita aqui ...photos&secrets...
Anonymous said…
Muito Obrigada!!



[Gostei deste Blog...]

bjim
Joshua
A nossa Amigona está de luto pela educação e tu ainda não lhe apresentaste condolências?
Juℓi Ribeiro said…
Joshua:
Me encantas...
Um pedaço do teu Pernambuco
choveu de felicidade,
com certeza por ter compreendido
o teu texto repleto de amor
e saudade.
Um amor imenso e talvez uma "saudade aliviada"
mas muito presente.
Isso tudo é abolutamente teu!
o Pernambuco Profundo que se entranhou no teu Coração
e que continua eterno e belo
em cada saudade tua.
Existem coisas que fazem parte de nós e se perpetuam em nossos sentimentos.
Com 19 anos deixei minha querida cidade de Recife e vivi 17 longos anos de saudades.

Quantos píncaros? Quantas fontes,
rosas que floresceram? Quantas noites e suas primeiras estrelas, quantas faces morenas, eu terei perdido de contemplar na minha ausência?
Tenho certeza que você entenderá
que eu me sentia asssim como essa poesia de Manuel Bandeira:

Belo belo

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando nolusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Joshua:
E como o poeta minha vida foi ficando mais "cheia de tudo"
escutando a canção do vento
e da minha vida.

"Canção do vento e da minha vida"

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres.
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Receba o abraço sincero
e respeitoso, via-satélite,
de sua amiga de além-mar,
que todas as vezes que te visita, aprende mais a admirar, este teu jeito único e belo de escrever.
Para mim, misto de linda rebeldia
e enorme talento.
Beijo.

Popular Posts