FALTA-NOS UM PARAFUSO NO «MAL-ESTAR DIFUSO»
A seguir excerta-se um excerto de um artigo de Vasco Pulido Valente sobre os Portugueses e sobre Portugal... Os Portugueses? Mas os Portugueses quem ou quais? Quais dentre nós ainda não convergiram verdadeiramente com a Europa? Porque há Portugueses que há muito que convergem com a Europa. Todos os que não vivem em Portugal convergiram com a Europa todos os que vivem nos Estados Unidos convergiram com a Europa, todos os que vivem no Luxemburgo e na Austrália e no Canadá, país anglo-francófono que, bilingue, fica na América do Norte, convergiram com a Europa. Certo estava Jorge de Sena ao olhar como medíocre o Portudal que era feito em Portugal e certo esteve e está o Portugal que verdadeiramente converge com a Europa, emigrando para longe deste desterro, donde se ausentam a Justiça e a Verdade e um Progresso que se sinta e se usufrua amplamente, deterro chamado Repúbica Portuguesa. É uma Répública, mas para alguns poucos, alternando-se no Vira Mega-Chupa-Chupa dos Lugares-E-Que-se-Foda-o-Povo. É uma Democracia, mas pouco, muito pouco: pouco viva, pouco ousada, cheia de Pouco e ainda assim a Medo. É uma Socratecracia como fora uma Cavacocracia. Isto é uma Coutada Viciada e Minada pelos Putrefactos Partidos, deglutindo lugares e cagando concreta e metaforicamente para a gente concreta e nada número ou metafórica. Isto é uma Justiça só para miniDelinquentes e nunca para Mega-Influentes. Vasco Pulido Valente bem pode resumir como quiser a nossa história de divergência com a Europa e este apodrecimento cordato e obediente ao sol, como fatalismo necessário. Ele só conhece o Portugal emanado dos Livros Devastadores e nas metas por alcançar rasuradas nas estatísticas que nos definem comparativisticamente com aquela tal Europa Avançada com a qual só quem emigra converge, e é nesse que zurze para masturbação geral de hordas nacionais negativo-pessimistas. Há ainda um outro Portugal, um resto, que a qualquer hora pode mandar pela janela o Regime, se o Regime persistir em sodomizá-lo de Fingimento Reformístico e de Fosso Social e não é com Pulido, que está sentadinho a escrever um pensativo artigo ou a ler, posto em sossego, um defumado e sanitário Clássico Português Eça pela enésima vez, que qualquer coisa de drástico se fará. Ele já começou resignadamente a apodrecer ao sol. Bom proveito! É com quem não tem carne para pôr a apodrecer ao sol e com quem está farto deste Circo e nada tem a perder que todo o drástico se pode gizar imprevisto e demolidor! Testem-nos a paciência e verão com quantos paus se faz uma cabana! Entretanto, já que se fala nele, dê-se a palavra ao Vasco: «Alexandre Herculano, o maior "intelectual" do liberalismo, que passara pelo exílio e combatera no cerco do Porto, deixou, já em agonia, um último juízo sobre a Pátria: "Isto dá vontade de morrer." D. Carlos, que foi de facto o último rei e o último reformador da Monarquia, achava Portugal uma "piolheira" e os portugueses, fatalmente, uma "choldra". Os republicanos não estimavam nem o país, nem a República e acabaram, quase sem excepção, "desiludidos". Basta ler uma dúzia de páginas dos Discursos para constatar o infinito desprezo que Salazar tinha por nós. Do PREC ficou o absurdo cadáver do PC. E esta democracia anda agora a chorar abjectamente o seu fracasso. Verdade que a famosa frase de Herculano é apócrifa (inventada por Bulhão Pato) e que D. Carlos só em privado se alargava sobre o seu reino. De qualquer maneira, não há dúvida de que Portugal sempre gostou muito pouco de si próprio.Com uma certa razão, convém admitir. Desde o princípio do século XVIII que Portugal quis ser "como a Europa" e até hoje infelizmente não conseguiu. A cada revolução, a cada guerra civil, a cada regime, o indígena prestável, alfabeto e "modernizante" supunha que chegara "o dia". E "o dia" invariavelmente não chegava. A sociedade ia, como é óbvio, mudando: devagar, com dificuldade, aos sacões. Só que a distância que nos separava da Europa não diminuía. Os modelos não faltavam: ou modelo universal da França (até à República); ou os mais modestos modelos de países pequenos como a Bélgica no século XIX e a Suécia a seguir. O português copiava com devoção o que via "lá fora". Mas não saía da sua inferioridade e do seu atraso. No meio desta persistente desgraça, Portugal julgou três vezes que se aproximava da Europa: durante os primeiros tempos da "Regeneração", durante o "fontismo" e durante o "cavaquismo". Ao todo, trinta e tal anos de uma ordem política "civilizada" e de um crescimento económico razoável. Mesmo assim, os fundamentos destes raríssimos milagres não eram sólidos. Nos três casos (embora com um ligeiro atraso), uma crise financeira pôs fim à festa e voltou a velha angústia nacional, a que por aí se convencionou chamar "mal-estar difuso". O "mal-estar difuso" é simplesmente o regresso à realidade. Portugal não tem meios para o Estado-providência e a espécie de vida que os portugueses reclamam. E, como não tem, toda a gente se agita e ninguém faz nada com sentido. Esta fase também é conhecida.» Vasco Pulido Valente, in Público
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«Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!»