FAUNENFLÖTCHEN AO MEU SOPRO
«Anfímaco ia para o combate coberto de ouro
como uma mulher, o insensato.
Isso não afastou dele a triste morte.
Foi subjugado pelas mãos do rápido descendente de Éaco, no rio [Meandro],
e os seus paramentos de ouro Aquiles os guardou.»
lkj
A Ilíada, Canto II.
lkj
Desaguadouro dos detritos da Cidade,
meus ouvidos têm sido Foz de lábios do crime murmurantes.
Outras florestas a atravessar sob outros pânicos acometem-nos
e devem julgar-me intercessor ou o próprio deus, Pã, em pessoa,
fora a morfologia de Fauno, fora a pequena flauta-flötchen,
fora os cornos com que se fica quando rejeitado
pelas Arcadianas Syrinx às quais sucumbimos em má hora apaixonados
ou em boa, é a vida.
çlk
Os outrora violentos vêm dizer-me dos seus mata e esfola passados e professados.
Os nascidos nela, violência, crentes e praticantes
acercam-se de mim e, entre um cigarro e o outro que vão fumando,
confessam-se, colhem no meu olhar desarmante e serenas mãos desarmadas,
desemproado de alto a baixo,
talvez o encorajamento a que desabafem do mais íntimo
coisas convictas e reiteradas. Coisas remordidas também.
lkj
Podem ser putas, na sua timidez afectada,
podem ser potenciais pedófilos naquele vício de ociosidade viciada,
podem ser policiais à paisana ora encostados ao balcão do Pub pelo seu whisky-Cola,
ora encostados à esquina da porta de entrada,
ora encostados a uma das mulheres habituais.
Encostados, sempre estilosamente encostados e fumando à Bogart,
contando-me peripécias com armas de fogo, ciganos, mortos e feridos.
Podem ser os abundantes travestis ali ocasionais, portugueses e internacionais,
que prolongam um infinito Carnaval infeliz por essas avenidas portuenses,
e as pernas impecavelmente depiladas que exibem, a maquilhagem bem vincada,
o olhar que se pousa invasivo e cortante, numa imploração invitativa.
Podem ser tarados e taradas cujo cerne da vida se afunilou numa só coisa perdida.
Podem ser velhos tímidos e sós. Velhas sós e descaradas
encostando muito as suas cabeças ao ombro deste inerme Pã de improviso.
Podem ser delinquentes que o meio e a manha adestraram
à sobrevivência reforçada com micos a mais fortes, com altas conexões e conhecimentos
do miolo silencioso e implacável das grandes tráficos,
dos negros e impensáveis lucros negros.
dos grande câmbios,
da grande lavagem de dinheiros
com números sedutores, oniricamente astronómicos.
çlk
E não me custa dizer não, quando tentado a associar o meu pacífico lombo
àquele golpe de uma vida, com arma de fogo fornecida, passível de uso letal em três tempos,
táctica no terreno, preparação prévia e tudo, como nos filmes.
Partilho o que me contam: contagia-me, por momentos,
a mesma raiva e o mesmo desejo de vingança,
superação de todas as humilhações
nas Obras, no sector de lavagem de pratos mal pago nos restaurantes exploradores,
pela voz ensaiada e cretina de cretinos,
a violência familiar, a coça de adolescente ao próprio pai sempre bêbado e espancador
do elo mais fraco, que é a mãe.
Mansamente, delicado e explicativo, digo não, enquanto dou Amizade porque a recebo.
Não rejeito quem cativo ou se deixa cativar por mim, pode ser quem for.
Nem julgo. Estou ali para compreender, para ficar no Breu do Sentido.
Estou ali a desejar-lhes o bem feliz e desproporcionado, por isso Justo,
que a vida e a divindade tenham a dar-lhes para além de tudo o mais.
lkj
Compreendo então ao que me trouxe uma vida inteira de Sacristia, Fé Viva e Ideal
e mais de uma década a ensinar por essas escolas de Portugal.
lkj
(Poema em Obras)
Comments
Uma abraça escre-vinhando
Certainly your blog is very good but do not understand the idoma jaja effort but we
Greetings!
JORGE
Em reparações, em construção para o livro ?
Não recordo. Mas lembrei-me desta frase que não é minha quando li este naco de prosa. Nela percebe-se que quem a escreve consegue VER para além do OLHAR (esta é minha)!Coisa rara !
:))
Obras, já pedir esperança de ver aqui um estaleiro sério, daqueles em que se constroiem barcos que partem mar a fora...