ORA ENTÃO QUE MEDRES!














Hoje foi um dia produtivo.
Partiste a fim de que medres noutro lugar
onde se paga melhor, diz-se,
o suor de um homem como tu,
disposto a vertê-lo de qualquer maneira,
e nós ficámos por cá a torcer por ti
e a torcer-nos num último torcicolo por ti,
num último tributo a César e ao que é de César.
«Boa viagem», dissemos-te.
Sorriste e foi a sorrir que pediste desculpa por alguma coisa.
Que é que havias de dizer tendo, mais uma vez,
um novo mundo tão desconhecido à tua frente?
Mil quilómetros são mil quilómetros
e cada um uma incerteza que haverás de vencer
para que logo nos dês essas novidades de muitos euros
por que tanto lutas.

Depois regressámos ao teu reduto abandonado.
Varremos o teu chão.
Despejámos o teu mijo.
Recolhemos o teu lixo,
disperso criativamente por lugares
que a tua criatividade e desperdício inventaram
para que ríssemos ao mesmo tempo que as costas nos doem,
para que chorássemos, enquanto a paciência nos sangra,
ferida reaberta nesse desporto desconhecido, a não ser para ti,
que é dispor e precisar sem limites do nosso saco sem fundo.

Organizámos os teus papéis.
Preenchemos de sentido a tua dispersão caótica de objectos.
Fizemos as tuas contas,
carpimos o débito e cantarolámos fino
(castrati monteverdiano mesmo) o crédito.

Lavámos penelas, pratos e talheres,
remetemos ao esgoto essa tua comida bolorenta
e fora de prazo,
abandonada mal-cheirenta
onde te deu para a deixares, distraído.

Matámos a tua roupa suja e velha,
guardámos a tua faca gigante
com que haverias de matar quem tanto amas
ou o intruso que se atrevesse
a transpor os teus tão ténues limites.

No fim, era a transpirar e a latejar de alívio
que contávamos as horas
para finalmente mandar de reboleta
o caralho destes pastéis
mai'la rua desse azarado
Papa luso multidisciplinar,
mortinho por obras fatais.


Joaquim Santos

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