AMANTE EXTENUADO DE AMAR


O Amante amava as gentes quotidianas com as quais se cruzava e às quais sorria, limpo. Os velhos de roupas velhas e coçadas, umas vezes arrastando-se lentos, três pernas, rosto escanhoado e o bigode de décadas, pelas manhãzinhas de nuvens altas e grandes azuis; outras apenas sentados no banco de jardim como quem espera o derradeiro autocarro que se paga com artrite, tosses sazonais ou simplesmente o AVC carunchoso medrando naquelas carnes de cismar. Amava o Amante essas mulheres de faces macilentas, ressequidas entre lixívias e óleos de cozinhar anos a fio, num circuito vital cada vez mais concêntrico pelos filhos e sem teatro e sem cinema, sem viagens, sem presentes. Amava o Amante as crianças a partir de certo ponto deslocadas do amor fraccionado e refractável dos seus pais, capturados por revoltas estáveis como esteios, presos sob um dique de angústias prosaicas, desagregadoras, em que o maior bem é também o maior fardo. O Amante amava as gentes. Eram as suas gentes por que morreria mil vezes a fim de que nunca mais morressem. No final do dia, Jesus descansava a sós na colina. O silêncio e a brisa cantavam-lhe a Esperança Catabática do Reino, brisa-seda flanando-lhe a túnica, veludo-vento beijando-lhe a tez. Se eles O soubessem e pressentissem já na flor primaveril, já no grão de mostarda!

Comments

Carlos Portugal said…
Muito belo, Caro Joshua. O texto é seu? Se sim, parabéns; se não, também parabéns por o ter publicado.

Bem haja.
Anonymous said…
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Quint said…
Camarada e amigo, eu não te digo que brilhas quando evitas o constante recurso à merda da publicidade ao que os outros escrevem?
Anonymous said…
Que linda poesia!
Que linda imagem!
Mais bonito que tudo é o poeta: sensível, amoroso, carinhoso, espiritual e, principalmente, muito quentinho.
Te Conhecer, Te ter É, para nós, todos os dias, Obra Divina.
Te Amo Te Amamos
Joaninha said…
Lindissimo, tinha saudades confesso.

Beijos.

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