UMA OBSCENIDADE NUNCA VEM SÓ
O que leva um povo a mudar de opinião num referendo repetido? Na Irlanda podemos compreender que gravosos acontecimentos económicos tenham diminuído a ousadia de desprezar um tratado que implica mais coesão e mais cedências de soberania porque a soberania em plataformas como a europeia partilha-se e por isso é muito natural que um novo referendo revisse e revertesse a posição anterior. O referendo do Aborto em Portugal foi diferente: consistiu num mesmo simplismo de insistência chavista, numa desonestidade intelectual vendida pelo vendedor impreparado e ignorante que nos mal-pastoreia. Esbateram-se os limites entre a legitimidade de uma mulher se realizar e autodeterminar e a parte fraca de uma vida florescendo não ser levada em conta. E agora este mau exemplo democrático em Chávez, vergonhosamente messiânico, vergonhosamente em gulas e babas por ser mais que os demais. Se se repete um referendo insatisfatório para as pretensões de autoperpetuamento no Poder, podemos deixar de pensar que todas as precauções para que um resultado desfavorável se não repita não serão tomadas, até por desmobilização dos votantes?! Não há como não lamentar e ter vergonha que em pleno século XXI a América do Sul, Portugal e outros países de quem se esperava mais, trilhem caminhos perigosos de autocracia, quando as plataformas de partilha, de informação e de saberes determinam outra lógica no exercício do Poder, sem terror por não ter Pastor, sem fatalismos de lideranças fracas ou menos circenses. Há alternativas a Chávez e a Sócrates. Fidel tem como sempre teve certamente alternativas a ele que não uma sucessão intrafamiliar que não permite plebiscito ou a loucura da divergência. Saramago não é um escritor absoluto, mas só mais um que entre todas as ternuras filantrópicas e anti-imperialismos contemporiza com Fidel e a miséria que grassa na ilha. Existem muitas outras mundividências e outros valores emergentes a cada passo e em qualquer lado. Este referendo é uma tristeza democrática e uma caricatura de democracia: «O Presidente venezuelano ganhou o referendo de domingo que lhe permitirá recandidatar-se automaticamente e sempre a partir de 2012. Assim que o resultado começou a tomar forma definitiva, uma maré humana de vermelho invadiu as ruas de Caracas e outras cidades.Contados 94,2 por cento dos votos, o “sim” soma 54,36 por cento e o não apenas 45,63. O resultado provisório foi anunciado pelo responsável da Comissão Nacional de Eleições, Tibisay Lucena. “É uma nítida vitória do povo e da revolução”, declarou Chávez. “A verdade triunfou sobre a falsidade, a dignidade da pátria ganhou aos que a negam, a constância venceu”, acrescentou, triunfal.» O povo e a revolução são bons slogans para esconder as razões petromilionárias que subjazem a mais este logro demagógico chavista. Quando José Sócrates telefornar a Chávez para felicitá-lo pela vitória obtida, e o fizer naquele horroroso castelhano técnico, que lhe pergunte o segredo ou não pergunte pois o bom discípulo supera sempre o próprio mestre. Certamente que não é por malícia que o ainda PM de Portugal abundantemente 'vilipendiado' na praça pública. Faz parte do jogo democrático que abertamente a sensibilidade da doxa censure os excessivos, os fátuos, os inautênticos, os presumidos, os insolentes, os chico-espertos, os teimosos, os autistas. Na hora em que se deixar de fazer isso, de se exercer essa censura que afinal moeu e não poupou Bush, não hora em que a seriedade se transformar num colete de forças que comprime o próprio humor, como me parece bom exemplo o modo como o poder esconso do PS arrumou para os Sábados de manhã, longe dos nossos olhos, e certamente para o oblívio a corrosividade criativa e perspicaz do Contra-Informação, estaremos sob a consumação do Medo e da subalternidade cívica. Sorvam à beira-mar a vossa passividade e indiferença numa reedição chavista de Sócrates e depois não se queixem. Chávez leva a sua cartilha avante e com o pé no estribo, monta uma nação. Cavalga e triunfa os caminhos da sem-vergonha democrática.
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Há cada vez mais alienação...
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