MEDITAÇÃO HAMLETIANA, À JUNTA MILITAR
Se há facto eloquente, em horas assim trágicas,
como as posteriores à passagem de este Tufão, Nargis, sobre Myanmar,
é que não adianta às tiranias governarem sobre cadáveres.
Numa hora em que os pobres cadáveres do infortúnio, talvez cem mil!,
se misturam com os cadáveres mártires da repressão ainda fumegante,
o Extremo da Desgraça rasga os Céus
e viola as consciências mais impenetráveis.
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A dado ponto eles, amontoados e desvalidos, serão os das suas mulheres,
os das suas amantes, os dos seus filhos, os dos seus netos,
os dos seus bastardos, os dos filhos dos amigos, os das namoradas dos filhos,
os dos namorados das filhas.
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Perante a morte assim tão prodigamente servida,
a liberdade é ainda mais preciosa
e mais desprezível e infra-merda qualquer tirania,
sobretudo esta, que ainda se dá ao luxo de condicionar, protelar, dispensar,
a ajuda que o Mundo em peso lhe poderá prestar de imediato:
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«Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma:
suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso,
ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?
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Morrer... dormir... mais nada...
Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração
e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne,
é solução para almejar-se.
Morrer..., dormir... dormir... Talvez sonhar...
É aí que bate o ponto.
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O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte,
quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal,
nos põe suspensos.
É essa ideia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa!
Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo,
as injustiças dos mais fortes,
os maus-tratos dos tolos,
a agonia do amor não retribuído,
as leis morosas,
a implicância dos chefes
e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente,
se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal?
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Que fardos levaria nesta vida cansada,
a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte
- terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou -
que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos,
sem buscarmos refúgio noutros males ignorados?
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De todos faz covardes a consciência.
Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha
sob a máscara do pensamento,
e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões,
e até o nome de acção perdem.»
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Hamlet, III Acto, Cena I
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