LEANDRO DE CORPO PRESENTE

Vinte dias depois, o corpo do Leandro reapareceu, boiando, talvez emaranhado em ramos e detritos, num recanto do Tua. A Natureza o devolveu, prendendo-o firme ali. Desaparecido naquele rio, ei-lo na zona do Cachão. Deu com ele um morador da Azenha do Saldanha. Encontrou-o ao sair de casa, de manhã. O corpo estava preso na margem esquerda. Preso, percebem? A Natureza devolveu o que dias de intensas buscas não lograram nem vislumbraram. Importa agora dar descanso aos pais e deixar a putrefazer essas teses da 'fragilidade reguila' imputada ao pequeno morto com todo o despudor hoje em dia tão voga. Há um corpo a sepultar. Um corpo, vivo ou morto, resume bem a grandeza espiritual e afectiva da chamada "matéria", provavelmente um dos maiores equívocos conceptuais desde há dois mil e quatrocentos anos. Andar toda a gente a chamar "matéria" à grandeza espiritual da nossa tridimensionalidade corpórea mortal só pode ser um erro de perspectiva. Enquanto isso, o outro corpo, o Corpo Nacional, perece, fenece, realmente. Enredado nas margens de tudo o que não é essencial nem verdadeiro, desliza e afunda no mais negro abismo desesperador. Consome-se na Pira da mentira airosa prevalecente, um sistema opressor, oleado e funcional, apesar de camartelos como este. Todos pactuam com a mentira airosa. Hordas de dementes e de enganados curiosamente não gemem, não se rebelam, não vituperam, não se organizam para levantar a voz: não levantam a voz, apesar de levados como cordeiros ao matadouro. Alunos fazem testes por favor. Multidões de mudos e quedos afagam a fome por detrás de janelas ciosamente fechadas. Dissolve-se o Corpo Portugal. Um Povo de Traídos e de Traidores. Um Povo no seu Ghetto. Muros altos feitos de Banca com as suas penhoras criminosas sobre Encostados ao Chão e faustosos perdões a Especuladores e Consabidos Corruptos. Muros altos feitos do saque fiscal sobre indefesos. Leandro e o seu Corpo. O Corpo de Portugal e o seu cheiro a fim. Ontem, na SIC, directamente de sua casa, o economista Silva Lopes defendia encomendadamente o Governo Sócrates multidespesista e ultrachantagista. Também ele cheirava àquele fim que não olha a meios. Tem descanso Leandro. Não tem descanso Portugal. 

Comments

José Domingos said…
Excelente texto.

A Mãe Terra, guardou-o, no seu regaço, acariciou-o, fez as pazes, com este Menino.
Devolveu-o, para nossa vergonha.
Todos votamos neste sistema, foram milhares de mãos, a empurrar o Menino.
Essa é a minha vergonha.

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