TENSÃO DISTENSÃO
Outras vezes há e sou eu que estimulo o diálogo entre clientes por alguma razão,
talvez por haver noites muito fracas,
com escassíssima clientela e por isso mesmo é menor a excitação e são maiores
as condições para saborosas conversas, e estimulo o diálogo
mediante perguntas directas, ponho os clientes do Pub a narrarem-me histórias de vida,
as suas amantes, os relatos de confrontos e de coragem
na vida e defesa das suas empresas, situações-limite sobretudo do pós-vinte e cinco de Abril,
mas também no pré-vinte e cinco de Abril, a que foram chamados, a evolução da economia,
a evolução do País, o sentimento crescente de desconforto exasperado com os políticos,
a necessidade de se não consentirem a amargura por excesso de informação e de conhecimento, para ainda usarem dos prazeres que lhes restam
(namorar no Pub, dançar, beijar, amar) sem se deprimirem
e eu pergunto-lhes disso e de tudo o mais porque me entusiasmo com o diapasão comum.
lkj
Os relatos são quase sempre interessantes
e as palavras muitas vezes servem-me de luz por serem sábias e razoáveis.
Mas eles estão ali para beber e para dançar e sou eu mesmo que isso lhes lembro e lá vão.
Depois fico a meditar no bem e mal que me faz saber o que sei,
no quanto o silêncio e a indiferença predominam diante do que faço repercutir aqui-del-blogue,
penso no por que as pessoas se fecharam numa defesa indefectível do seu partido PS
como outrora os alemães cegaram ante o Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei
por um sentido e uma cultura de obediência ao Estado,
tolerando desonestidades e injustiças, malícias e crimes e todas as desordens:
porque o Partido era o seu sonho e o seu País era o seu Partido.
lkj
Penso que as sementes de reacção criativa e contestatária podem ser lançadas
nestas plataformas blogueanas tão injustamente invectivadas por ignorantes do seu potencial,
como o Miguel Sousa Tavares, Rogério Alves e Francismo Moita Flores,
porque um mundo justo e equitativo é uma necessidade, se a paz estiver mesmo
no nosso horizonte e não a ganância que tudo desnivela e tudo arrasa do lado mais fraco.
lkj
Assim se passou mais uma Madrugada e, terminado o meu serviço,
afastei-me do Pub e embrenhei-me, como sempre, no mesmo breu nocturno.
O meu automóvel, abastecido com a gasolina mais barata do mercado que a Galp controla,
quase sempre imóvel ao longo da semana, paralisado e triste, esperava-me duas ruas depois.
Eu tentava conciliar a minha necessidade de informação e de justiça em Portugal,
ao cotejar imensos blogues e informações todos os dias e produzir a minha própria,
com a justa calma e vital equilíbrio de não perder de vista a doce e louca alegria
da minha filhinha de dois aninhos e da adorável mulher, novamente grávida, na minha vida,
quando o que havia muito antecipava finalmente aconteceu:
«Não mexe: dá cá a carteira, e pouco barulho! Não mexe!», rouquejou uma voz.
lkj
Não me voltei logo, mas lentamente. Dois rapazes vindos de nenhures
cercavam-me, tinham as mãos direitas
dentro do casaco e obviamente não tinham a mais pequena ideia
de qual era e onde estava o meu carro. Não estava longe.
Disse-lhes: «Oiçam, eu não tenho nada.»
Isto é naturalmente a pior coisa que se pode dizer quando o sangue lateja,
o coração bate descompassado e o menos que temos é ódio ou raiva
pelo atrevimento de estes putos, mas foi o que eu disse e disse-o com um timbre de voz
que não manifestava qualquer espécie de rancor. De alguma forma,
o meu desemprego, a minha situação pessoal, as minhas reflexões e constatações quotidianas
colocavam-me, ponderadas todas as variáveis, num estado de rebelião interior semelhante,
onde nos movemos mais pelo desespero, pela desmoralização e pelo desalento,
que pelo requinte e complexidade de um sentimento mesquinho como a inveja.
lkj
Mas acrescentei: «Esperem, calma, eu compreendo-vos. Calma.
Eu posso provar-vos que nada tenho.»
lkj
Tirei a carteira. Pus-me de joelhos.
Despejei o conteúdo todo no chão, sob a luz pública, e fi-lo rápido, sem tempo a que me constrangessem a qualquer outra opção:
«Este é cartão da Segurança Social. Este é o meu número de contribuinte, o meu BI.
Isto são dois cartões da ADSE, meu e da minha filha,
isto é um cartão de multibanco da minha única conta sem saldo há muitos meses.
Este é o retrato da minha querida avó falecida. Esta é a minha filha.
Esta é a minha mulher. Isto é uma imagem de Jesus Cristo
para que me salve de mim e dos outros em horas como esta.
Isto é o único boletim do Euromilhões com que aposto a cada semana e sonho.
Isto é o que eu tenho na carteira: nada, zero, nicles.»
lkj
Na verdade, o meu patrão paga-me quando calha e quanto lhe convém de cada vez
até que me pague o que convencionamos e acordamos por mês.
E quantas e quantas vezes chego ao trabalho de bolso vazio
na esperança de que ele mo forre de um forrar mínimo
o que me valha para uma semana
e ainda não é dessa vez e por isso regresso de bolsos vazios, tal como chegara.
Havia duas horas e dois fiscais do SEF bateram à porta do Pub para confirmarem
que o meu colega brasileiro que serve às mesas efectivamente ali trabalhava
e agora eu tinha também os meus fiscais igualmente ali
a verificarem que é verdade, que assaltar um outro português é um acto idiota,
demasiado inglório e vergonhoso porque permite concluir que mais justificado
era que o assaltado assaltasse os assaltantes
ou que se associassem para operar em conjunto cada qual com as suas desesperadas razões.
O meu colega brasileiro, passada a tormenta, sentou-se,
falou-me do segundo emprego diurno numa gráfica que acumula com o Pub,
os recibos verdes, o IVA alto, a trabalheira infinita e o cansaço enorme que é suportar
os dois trabalhos com menos de três horas para dormir.
Pensei que tenho de ser assim. Ser humilde. Topar a tudo. Viver para trabalhar.
lkj
Mas ali estava eu agora, de joelhos, sem apetite para uma luta corpo a corpo.
Nem motivação para salvar a minha vida, apenas entusiasmado a demonstrar,
no powerpoint daquela calçada portuguesa, que estava na merda, que os putos
assaltavam um homem que estava na merda, que tinha sido esbulhado pelo Fisco
justamente no cerne do seu desemprego à conta de um assalto rectroactivo
a um processo aquisitivo de habitação com desonestidade sistémica do Banco
que o financiou e que todos os argumentos que apresentou não o isentaram
da desgraça de ter de pagar os olhos da cara e o couro do corpo ao Fisco.
Eu disse-lhes que o Fisco me havia assaltado primeiro. Disse-lhes mesmo:
«Ó amigos, o Fisco fodeu-me primeiro. Chegou primeiro.
O Fisco é mais eficaz que vocês, que só chegam depois. Tende paciência.»
lkj
Doíam-me os joelhos. Tinha todos os meus objectos pessoais no chão.
Fotografias, cartões, o boletim do Euromilhões, tudo em esquema na calçada portuguesa
humedecida, viscosa, pejada de beatas, de chicletes incrustradas e de escarros.
Os putos, quando ergui a cabeça, iam longe, uivavam um para o outro,
corriam desalmadamente. Os seus passos e os seus uivos ecoavam nas arcadas
com lojas e montras onde manequins requebrados
ostentavam toiletes vermelhas e pretas.
lkj
Recolhi os meus objectos. Guardei a minha carteira.
Fora a primeira e única vez que fora assaltado na minha vida.
Correra bem. Correra bem melhor que o estado de assalto fiscal quotidiano
que nos vendem ser a coisa mais natural e necessária do mundo
quando, pelo contrário, é o Veneno com que se sustenta e perpetua este abissal declive
entre muito ricos e muito pobres chamado Eterno Défice Português.
Comments
Esta situação de pobreza que se está a viver em portugal já está a ser demais!...
Beijo grande
Li e reli e senti. Senti duma forma crua e agreste. E revoltei-me por estares a passar por isso.
Senti por ti, pela tua filhota pelos teus sonhos traídos.
Há-de vir um dia Joshua, um dia em que superarás tudo isso.
Abraço-te com força
Esta politica de rédea curta nos salários que sempre foi apanágio dos nossos governantes, com graves consequências na economia do país, arrastou desde sempre as industrias e as unidades de transformação de produtos manufacturados de prestação de serviço e do sector primário, a agricultura, para níveis básicos de sobrevivência.
Estas empresas por não terem público alvo que pudesse consumir ou servir-se dos seus serviços, nunca puderam ousar alargar a sua actividade, ampliar o seu negocio, precisamente porque não existiu nem existe dinheiro nas mãos das classes verdadeiramente consumidoras, classes média, média baixa e baixa.
É preciso de facto fazer entender a quem nos governa, e ao presidente do banco de Portugal (que pertence à classe dos ricos e abastardados portugueses, aos quais somos obrigados pagar recheados salários, há muitos anos), que está na hora de baixar os salários dos administradores, gestores directores gerais,
sub directores gerais, inspectores,
juízes,
deputados,
ministros,
secretários de estado,
inspectores superiores, Governadores
e vices de tudo e de nada,
entre outros, acabar com as mordomias que lhe são facilitadas pelo cargo que ocupam, como sendo, carros de alta cilindrada de dois em dois anos para o serviço público e privado,
e familiar (até os motoristas têm regalias espediais!!! É Notável esta merda) cartões de crédito ilimitados,
telemóveis sofisticados, apartamentos pagos à custa do erário publico às centenas, etc. etc..
Estou convencido que se o país algum dia for governado por um verdadeiro patriota, como eu, por certo que as despesas correntes da administração publica baixariam.
Esse patriota não despedia nenhum trabalhador nem o mandava para o quadro de excedentes. Actuava sim junto desses portugueses oportunistas que se servem dos nossos salários de miséria para viverem faustosamente.
É por isso que penso, não é mais possível suster esta quadrilha de ladrões, sem primeiro ter que haver sangue. Sangue de alguns dos bons que têm que ser sacrificados. Mas, sobretudo dos maus que nos estão a sugar os nossos fracos recursos.
Tu meu amigo, força e força, em frente que como te disse, tudo passa e no final só fica o essencial de cada um, toda a tempestade no fim não será mais que um brisa.