RECÉM-NASCER SEM PONTA DE PROSAICO


Amei e protegi o teu ventre, o nosso segundo ventre, até ao fim, mulher:
tivemos nove meses de uma serenidade gestacional absoluta,
apesar de toda a sorte de apertos sucessivos; o desemprego reincidente,
ser descartado, ser aí traído, é de uma crueldade monstruosa
e acende um sem-número de desejos de vingança concretos,
como implantes de aço ansioso em lugar das unhas naturais de queratina cortadas rente;
desemprego caso após caso, um após outro após outro,
criando um calo no cerne do meu cérebro,
um ódio amoroso pela realidade assim bebida ou dada a beber,
fazendo nascer em mim de uma certa determinação feroz
por um objectivo muito meu e indeclinável,
e uma dor da qual só se sai com um naco da loucura
e da criatividade a que me entrego combativo todos os dias,
num infindável oceano de incompreensão.
Não é verdade que blogo ainda mais como um louco na mesma proporção
do nosso a espaços desespero, da nossa a espaços aflição?!
lkj
Ainda há um ou dois meses, arrumávamos as tralhas de esse grande nómada da vida,
o teu irmão, porque procurou e acertou ir sofrer o trabalho duro longe, em França,
e coincidentemente antes de isso fora intimado a sair daquela velha casa verde,
pelo que mais valia arriscar total e absolutamente. E lá arriscou.
Na sua e nossa última vez com ele, lá naquela velha casa, à luz daquele último sol
iluminando as minhas sandálias com o último calor do último Verão,
muitas coisas ficaram claras ao meu ser agarrado a uma raiva fria. Sempre fui íntrego.
Sempre fui um compenetrado soldado nos combates circunstanciais da minha vida
e, arrostando com tudo e com todos, triunfei, segui o trilho estreito da autenticidade,
da transparência, da Fé inteira e pura no Cristo Vivo que nenhuma mão benta
enclavinha ou aprisiona, raciona e normaliza para ninguém. A mesquinhez humana
porém, o calculismo medíocre, a tortuosidade dos corações mais beatos
sempre me deixaram espantado e fico escandalizado perante eles.
Ora, as minhas sandálias são testemunhas da firmeza que me vai dentro,
daquilo que pretendo provar, da vitória que hei-de alcançar,
do sofrimento moral de que hei-de sair. Filho pródigo certamente o sou,
mas sou ainda mais filho prodigalizador de toda a condescendência para com todos,
aprendida do Alto por Quem e só por Quem podemos renascer.
lkj
Foram, de resto, nove meses perfeitos, tendo em conta
agora este nosso pequenino milagre de carne
que vi deslizar de ti e cujos vagidos me foram a melhor música em toda a vida:
trabalho santo de parto, lágrimas tuas santas, fezes, baba, gemidos,
força, mais força, e a Filha, que desliza para fora, minha mão cortando a corda umbilical,
e logo ali o cheiro fumegante de ela e o toque dela sobre o teu corpo
sob a palma da minha mão, meu Deus!, tal e qual, santo sangue, placenta santa.
Nada há de prosaico nisto. Nada. É a santidade natural mais abençoada
e também a mais perseguida se, pelo lucro de poucos,
se vê bem que se persegue agora ferozmente o trabalho legítimo
e os meios de subsistência natural de muitos.
lkj
Mais criticado que felicitado, mais tresolhado que limpidamente olhado, é o que sinto!,
penso na fonte de paz que foi termos estado horas antes naquela igreja,
sentido aquele hálito a serenidade, termos olhado fraternalmente para aquela gente
coralesca ensaiando, muita dela só jurássica porque rudimentar nos seus sentimentos
e muito limitada na expressão religiosa e humana dos seus parcos afectos calculados.
Há que dizer a talhe de foice que a paternidade é hoje muito mal vista.
Há um olhar reprovador e uma voz sufocada de censura instintiva
nesses presuntivos mais cônscios que nós e mais sensatos que nós,
de gente que tem a vida controlada nas suas variáveis e que certamente não vai morrer,
aos quais é preciso darmos uma violenta resposta de fé e de luta: na verdade,
ainda não escrevi, ainda não escrevemos, todas as páginas da nossa dignidade
e do nosso triunfo contra a censura circundante mal-disfarçada, que esconjuro,
ainda não provamos, conforme provaremos, merecermos bem mais
que meneios de cabeça escondidos e declarações implícitas de desconfiança
quanto ao futuro, quanto ao nosso futuro, agora que somos quatro
e a realidade é-nos o que nos tem sido: puta, madrasta!
É uma questão de tempo e de paciência.
lkj
Mas que tempo tão de Lixo e Moribundo este português
em que nem as mãos se estendem, nem as mãos se entrelaçam fraternas!
Que tempo tão de lixos e tão de restos este em que nasces
e toda cheiras a Paz, minha filha!

Comments

Tiago R Cardoso said…
é pá, parabéns !!

e esquece lá o mundo jovem, que o teu por agora é um pequeno ser indefeso e inocente.

Muito bem.
ciao
thank you for your comment. too bad i don't understand what you write on your side. why don't you write me in italian ;-)
i wish you a very good week and compliments for your blog. bye pat
Blondewithaphd said…
What to say? Apenas: parabéns por essa vida! Parabéns! Muitos!
Fá menor said…
"nasces
e toda cheiras a Paz, minha filha!"

Emocionante!

Toda a Paz, Amor e Bençãos de Deus para a tua família.
Abraços
Joaquim Alves said…
A única coisa que te posso dizer Joshua amigo, é que abro os meus braços e te abraço fortemente, colocando-te com a tua familia nas minhas conversas, (chamadas orações), com Deus.

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