'TÁ QUIETO Ó MAU"
Por vezes fico impressionado ao ver como Alice Vieira, no JN, acredita no Pai-Natal na medida em que escreve naquela toada paternalística que confere ao Salazar de serviço a chave de toda a acção protectora e zeladora do bem comum, entidade que, por sua vez, nele deposita toda a esperança messiânica. Não existe em Alice aquela energia ou pulsão cívica que estriba com esta lógica depoente da confiança no Poder. Isto cola-se bem à confortável posição oligocrata em situação de gratidão sossegada e que ignora outras pulsões e moções em efervescência no cadinho da sociedade ou que no fundo as olha mais como ameaça que como destino fatal das sociedades civicamente avançadas. A invenção da personagem sr. Luís, no último texto, cola-se muito mais à figura do cliente político desesperado com o risco que uma mudança de Executivo envolve. Por isso junta as mãos, ajoelha-se e reza por Sócrates e se tem alguma coisa a dizer só a ele o dirá. O taxista Luís, com a solução milagrosa para o País, está completamente morto. Nunca chegou sequer a ser personagem. Se o fosse seria muito mais propenso à calhandrice. Vale a pena atentar nesta pérola: «E é bom que Sócrates se apresse. Primeiro, porque o país está numa crise que não aguenta mais. Segundo, porque se a resposta tardar, ele vai direitinho a Espanha oferecer ("oferecer" é, como já vimos, uma força de expressão) os seus serviços. Eu, se fosse ao eng.º Sócrates, apressava-me a mandar chamar o sr. Luís, antes que ele — mesmo sem TGV -desande para Espanha. Há alguns séculos houve um tipo que fez isso como pretexto para dar a volta ao Mundo — e ficou-nos sempre atravessado… Quando quiser, sr. primeiro-ministro, é só dizer, eu tenho todos os contactos. Até porque o sr. Luís prometeu fazer a minha felicidade se eu o ajudar a fazer a felicidade de toda a gente.»
Comments
Não acredito na maioria silenciosa mas acredito na minoria silenciada.
Vai acontecer um dia...