NO ABATER DA FIGUEIRA


Vergastada a árvore que dá figos por os não dar,
sovada, espancada, varada veementemente,
nada aconteceu.
O machado está à raiz. Pronto.
Não sabemos se será usado.
Pode bem apodrecer à raiz da figueira,
ganhar ferrugem, oxidar muito.
A árvore não mudou de estéril.
A árvore não estremeceu de infrutífera.
Manteve-se embotada e fria.
O machado afiado, polido, em aço temperado - espelha na lâmina a árvore.
O vento e o sol,
as securas, as geadas,
passaram, queimaram, fizeram lanhos,
tatuaram de tempo a figueira, arvoredo, figueiredo,
numa montanha rochosa, entre urzes, lixo, pó.
Estrume havia sido espargido,
água penosamente levada, balde após balde,
derramada lenta, cirúrgica, à flor da raiz,
imóvel cobra retorcendo-se para dentro e para fora, petrificada.
Nada.
Ano após ano e zero dos frutos e o nulo do que uma figueira promete.
Cortemos nós esta figueira, já que o dono ainda aguarda compassivo e não age.
Cortêmo-la nós.
Saltemos a cerca, trepemos ao muro.
Vandalizemos a árvore morta de sumo, ausente de doçura:
os corvos e os mochos que se lhe alternam em pouso
para longe esvoaçarão, quando nos acercarmos.
Ó pegar naquele machadão e brandi-lo coruscante alto!
E golpear.
Golpear a muitas mãos.
Sulcos em v, alvas lascas e uma seiva nívea vertendo sangre.
Golpear a figueira.
Golpear.
Mudar de mãos.
Somos muitos.
Golpear.
O tronco é grosso, amplo, três anos ou três mil é muito tronco, é sempre tronco.
Golpeêmo-lo, portanto.
Um golpe.
Outro golpe.
Pausa.
Saquemos de lenços, as costas das mãos também servem.
Limpemos o suor.
É noite. Está quente. Tiremos a roupa.
Juntos, em tronco nu, homens e mulheres usando o machado,
alternando as mãos nele.
Juntos.
Em tronco nu, homens e mulheres,
mulheres em tronco nu também:
seios frementes no golpear cadenciado,
mamilos apontados no golpear ardente.
Rocemo-nos cúmplices no trocar das mãos e do machado.
Troquemos suores. Troquemos olhares.
Entreolhêmo-nos neste rito sagrado e que, no fim de esta noite,
só no fim,
tombe este espécime ficus estéril.
Tombe fragoroso. Role.
Depois, despedacêmo-lo.
Façamos uma fogueira com que atravessemos o final da madrugada.
Demos as mãos e dancemos.
Por agora, golpear.
Golpear de novo.
Ei-lo que geme já.
Chia. Um roçar de madeira fibrosa e húmida anuncia o estrondo no pó.
A árvore cai.
Angula e da erecção em meio-dia tombou para as três horas
e, rolando um pouco, jaz imóvel.
Está morto.
Tem de arder.
Não há seiva, humidade, que retardem a força com que consumiremos esta figueira do nada.
A seguir, a festa.
Depois a cinza.
Dissolvamos esta assembleia de células que nos não deu nada.
Dispersemos as suas cinzas.
O dia rompe.
Sobe um sol já zangado, termozangado.
Fujamos.
A figueira não prestava.
A fogueira nos foi festa.
Não prestemos contas ao dono.
É um presente nu. Está dado!
Figueiredo derrubado.

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