A RELÍQUIA — MULHERES! MULHERES! MULHERES!
«— Ai, Topsius, Topsius! — rosnava eu. — Que mulheres! Que mulheres! Eu estouro, esclarecido amigo!
O sábio afirmava com desdém que elas não tinham mais intelectualidade que os pavões dos jardins de Antipas; e que nenhuma decerto ali lera Aristóteles ou Sófocles!... Eu encolhia os ombros. Oh esplendor dos céus! por qual destas mulheres, que não lera Sófocles, não daria eu, se fosse César, uma cidade de Itália e toda a Ibéria! Umas entonteciam-me pela sua graça dolente e macerada de virgens de devoção, vivendo na penumbra constante dos quartos de cedro, com o corpo saturado de perfumes, a alma esmagada de orações. Outras deslumbravam-me pela sumptuosidade sólida e suculenta da sua beleza. Que largos, escuros olhos de ídolos! Que claros, macios membros de mármore! Que sombria moleza! Que nudezas magníficas, quando à beira do leito baixo se lhes desenrolassem os cabelos pesados, e fossem docemente escorregando os véus e os linhos da Galácia!... Foi necessário que Topsius me arrastasse pelo albornoz para a Escadaria de Nicanor. E ainda estacava a cada degrau, alongando para trás os olhos esbraseados, resfolgando como um touro em Maio nas lezírias.
— Ai, filhinhas de Sião! Que sois de vos deixar aqui os miolos!
Ao voltar-me, puxado pelo douto historiador, bati no focinho de um cordeiro branco que um velho conduzia às costas, amarrado pelas patas e enfeitado de rosas.» Eça de Queiroz, A Relíquia, pp. 184-185, Edição Livros do Brasil, Lisboa.
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