A VULGARIDADE DO NEGOCIANTE ARNOUX

Os Pescadores Afortunados, gravura francesa Século XIX.
E, cedendo às suas obsessões, deixaste-te conduzir ao botequim Bordelais.
Enquanto o companheiro, apoiado no cotovelo, encarava a garrafa,
tu lançavas os olhos à direita e à esquerda.
Mas notaste o perfil de Pellerin no passeio;
bateste com força na vidraça, e, mal o pintor se sentar,
logo Regimbart lhe perguntou por que já não o viam no Arte Industrial:
 Que eu rebente, se lá volto! É uma besta, um burguês, um miserável, um velhaco!

Estas injúrias lisonjeavam a tua cólera. Sentias-te, no entanto, ferido,
porque pareciam-te que elas atingiam um pouco a Senhora Arnoux.
 Mas, afinal, o que é que ele lhe fez?  disse Regimbart.
Pellerin bateu com o pé no chão,
e bufou com força, em vez de responder.
Entregava-se a trabalhos clandestinos,
tais como retratos a dois lápis ou imitações de grandes mestres
para os amadores pouco esclarecidos;
e, como tais trabalhos o humilhavam,
preferia calar-se, geralmente.

Mas o «sórdido Arnoux» exasperava-o de mais.
Aliviou-se. De acordo com uma encomenda, de que tu foras testemunha,
tinha-lhe trazido dois quadros.
O negociante, então, permitira-se fazer críticas!
Reprovava a composição, a cor e o desenho, sobretudo o desenho,
em suma, não o quisera por nenhum preço.
Mas, forçado pela proximidade do pagamento de uma letra,
Pellerin tinha-os cedido ao judeu Isaac;
e, quinze dias mais tarde, Arnoux, em pessoa, vendia-os a um espanhol,
por dois mil francos.
 Como exagera!  disseste com voz tímida e quase sumida.
 Vamos! Está bem! Exagero!  exclamou o artista,
dando um grande murro na mesa.

Essa violência devolveu-te toda a tua compostura.
Sem dúvida, podiam portar-se com mais gentileza;
contudo, se Arnoux achava essas duas telas…
 Más! Diga a palavra! Conhece-as? É esse o seu ofício?
Ora, sabe, meu menino, eu não admito isso, aos amadores!
 Eh! Essas coisas não me dizem respeito!  disseste.
 Que interesse tem, então, em defendê-lo?  replicou friamente Pellerin.
Balbuciaste:
 Mas… porque sou seu amigo.
 Dê-lhe um abraço em meu nome! Adeusinho!

E o pintor saiu furioso, sem falar, bem entendido, no que tomara.
Tu convenceras-te a ti próprio, ao defender Arnoux.
No calor da tua eloquência,
sentiste-te invadido de ternura por aquele homem inteligente e bom,
que os amigos caluniavam e que, agora, trabalhava sozinho, abandonado.
Não resististe ao desejo singular de voltar a vê-lo imediatamente.
Dez minutos depois empurravas a porta do armazém.
Arnoux elaborava, com o seu caixeiro,
cartazes monstruosos para uma exposição de quadros.
 Olha!, o que te traz por cá?
Esta pergunta bem simples embaraçou-te;
e, não sabendo que responder,
perguntaste se, por acaso, não encontrara o seu caderno de apontamentos,
um caderninho de coiro azul.
 Aquele em que mete as suas cartas de mulheres?  disse Arnoux.
Tu, corando como uma virgem, defendeste-te de semelhante suposição.
 As suas poesias, então?  replicou o negociante.
Mexia nas amostras exibidas, discutia a forma delas, a cor, a moldura;
e tu sentias-te cada vez mais irritado com o seu ar de meditação,
e, sobretudo, com as suas mãos que passeavam pelos cartazes,
mãos papudas, um pouco moles, de unhas chatas.

Por fim, Arnoux levantou-se,
e, dizendo: «Está pronto!», passou-te a mão pelo queixo, familiarmente.
Esta intimidade desagradou-te, que recuaste;
depois atravessaste o limiar do escritório,
pela última vez na tua existência, julgavas tu.
Até a Senhora Arnoux ficava como que diminuída
pela vulgaridade do marido.

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