GREVE DE FOME


Pego na minha esferográfica e por ela desagua a
tinta mais dolorida, mas não derrotada: há fomes em azul dentro de mim
que só por ela, escrita ou tinta, escoam,
lineares, desenhadas, regulares, como um cabelo rebelde
acabado de beber pente. Letras, frases curtas, frases longas,
enquanto escrevo no meu eterno caderno, planifico um arsenal metafórico
para arremeter contra o que (e contra quem por detrás do que!)
me esmaga nítido numa invisibilidade global a circunstantes
que ainda doi mais e também esmaga.
lkj
Quero jejuar precisamente na escrita esta solidão de todas as minhas fomes.
Quero jejuar no meu escrever-torrente a dor terrível de haver mordaças e poderes repressivos
que não matam com a bala nem com a bomba nem com a lâmina,
que matam no furto furtivo da minha dignidade imbeneficiante de cunhas,
matam na mesquinhez e na arbitrariedade sobre mim
subtraindo-me o meu pouco irmão de nada e ainda menos,
(basta um telefonema, um sinal lá de Cima,
de onde há Poder, de onde há Nome e Dinheiro
com pruridos de imagem e olho gordo vigilante)
que humilham e aniquilam, na anulação respiratória
imperceptível de garrote gradual,
a minha sensação de ser gente com esperança e rumo,
mas não desisto!
lkj
Tenho fome, meu País errado e plúmbeopesado!
Mas não serei derrotado:
hás-de aprender de novo a força do Verbo Rebelado que dá as costas ao bastão
e o quebra, rindo.
Ele, Verbo, que se soltara no passado e corroera de Poesia O'Neil
os safanões repreensivos, repressivos, regrantes, aprisionantes,
desses subtiranos ridículos agentes zelosos de um mocho alfatirano iluminado a negro.
Ele, Verbo, que é hoje bem mais premente
perante o Silêncio-Dedo apagador escondido e covarde
que intimida e constrange cada um, um a um, grupo a grupo,
a mim e a ti, leitor, que dormes o sono da insciência
e me deixas só na espertina mais lúcida
desta minha greve de fome,
gume aceso do meu combate vivo.

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