AUTO DA PORCA DO REGIME VI

Outro galheteiro de proprietários do Regime e da Democracia
[As Aventuras do Santa Alcoveta]

 SóCrash, o grande condecorado, a alma e a lama do Regime, sentiu um tremor de gozo ao ouvir falar na extraordinária entrevista do seu ex-ministro e ex-penduricalho ameba de Direita Esquerdizante, Freitas do Amerdeiral. Não perdeu tempo e convocou-o para um Porto, na Bramcamp. Pressuroso, a sumptuosa luminária infalível compareceu e, com enorme deferência, foi o próprio Santa Alcoveta a vir ao átrio recebê-lo:

 — Caramba, pá, Freitas do Amerdeiral, dá cá esses ossos, essas banhas essas bochechas impagáveis, pá!
— Meu caro Santa Puta, não imagina a honra em ser por si recebido. Sabe que em Portugal eu pertenço à casta dos especiais...
— Sim, claro, pá, comendador Amerdeiral, tu és um prodígio sumptuoso da palavra e da ideia...
— As TV chamam por mim, Santa Puta... O que eu digo conta!
— Sim, pá... As nossas TV veneram os fósseis do Regime, os inúteis e as canas agitadas pelo vento, professorais sibilinos... E esse, definitivamente, não é o teu caso, pá. Que encantas pela frescura e pelos teus postulados de Esquerda...
 — Claro. Eu sei que sou brilhante... Como o Santa Puta sabe, liderei o CDS, mas basicamente o meu espírito pardo servia de biombo ao génio de Amaro de Costa. Estive com Sá Carneiro, embora muito na sua sombra porque o meu carisma é um carisma...
— ... Murcho... Amerdeiral. Deixa lá. O meu gajo, o Costa, também não tem um quarto do meu carisma, mas nós, no Rato, temos estado a trabalhar nisso.


 — E oxalá, Santa Puta, Costa varra esse imbecil inquebrável do Passos... Basicamente, não fiz nem fui nada na política, mas zanguei-me muito muitas vezes à falta de capacidade... Na AD...
— Na AD tu fizeste merda... Não foste capaz de garantir a coexistência e a estabilidade necessárias ao País... Também não resististe à minha nomeação, Amerdeiral. Podias ter continuado a lustrar o meu friso de nulidades...
— Isso faz-me recordar do CDS. Saí. Regressei, sonhei-me presidente das ONU...
— Ó pá, Amerdeiral, ainda bem que tudo isso quase aconteceu sem de facto ter acontecido... Porque o País ganhou em estares quieto, e hoje és mais um para dizer as merdas de Esquerda para engonhar, és mais um do nosso exército de coirões para dizer mal por dizer e para carpir nas televisões que este é o pior Governo desde o fim da Monarquia, pá...
— Repara, Santa Puta, que eu sou grave. Coloco a minha melhor cara solene, falo como um padre à antiga, pausadamente e mostro, sempre, este meu ar merdeiro, pesado, omnisciente...

— Porque tu, Amerdeiral, és sólido como um ovo, és uma voz incontornável e fiável, como a do nosso Padrinho, o Don Marioleone, quando apela a um levantamento e é ignorado.
— Quando apela ao motim dos subvencionados vitaliciamente pelo Estado... e dá em nada...
— Gostei de te ver, pá, na Grande Entrevista da minha entidade patronal, a RTP.
— Não achas, Santa Puta, que fui contundente, agressivo, pomposo, grave, majestático, a contundir este Governo Ultraliberal?

— Amerdeiral, foste brilhante, com o teu tom professoral, catedrático, pá. Ficas tão bem com essa face imensa, pesada, com essa gravitas exactamente igual àquela que ostentas quer quando estás a cagar quer quando a coças os colhões ou te confessas ao Padre Melícias, pá.
— Sim, é verdade, Santa Puta. Acho que consigo disfarçar a minha ignorância crassa dos conteúdos tecnocráticos do Orçamento com um bom par de banalidades.
— Claro, Amerdeiral. Temos um povo néscio. Podes fazer como eu que fiz entre os anos de 2005 e 2011, fui visionário, feirante e charlatão, mas com uma convicção estrídula e esbracejante raramente vista neste mundo e sobretudo nesta Europa.

 — Foste um verdadeiro líder e a tua obra ficará pelas décadas. Por falar em obra, continuo muito preocupado com a situação na PT e agradeço-te a dica do teu staff embalador e salsichador de entrevistas quando me sugeriram a solução para a resolução do problema da PT.
— Ah, sim, Amerdeiral. Esses meus escravos são intelectuais brilhantes, preparam-me sempre muito bem nas entrevistas, mas agora que o socialismo está fodido em França, na Grécia, na Holanda e em Espanha, e só sobrevive em Portugal porque o pessoal acha que o Rato é o Pai Natal, foi pena que te tivessem induzido a dizer que uma vez que as acções da PT estão “baratas”, o Estado só teria de adquirir 33,4% e assim passar a mandar em tudo.
— E daí? Não foi genial, Santa Puta?!
— Pá, sim, pá, o Povo come essa ideia, mas essa é a posição do PCP e do Burloque, embora o Burloque e o PCP achem que o Estado devesse ficar com 51% da PT. Para nós, socialistas, um terço chegava para pôr uns boys a mexer.

— Estive bem, Santa Puta...
— Pois, mas o problema é que a puta da empresa não está cotada em Bolsa.
— E?
— E basicamente o que os meus intelectuais te induziram a dizer foi que o Estado deveria comprar a PT SGPS cujos únicos activos são uma quota na Oi, só que a PT Portugal, a que nos interessa, e que é apenas uma subsidiária da operadora brasileira, não está na Bolsa.
— Ai foda-se. Fiz merda...
— Descansa, Amerdeiral. ninguém vai notar e mais uns dias essa gaffe será esquecida. Ninguém vai pensar que se um Governo seguisse a tua sugestão dada na TV, seria mais um rombo de centenas de milhões de euros e ainda por cima com uma participação muito minoritária na Oi... Basicamente zero de influência no destino da PT Portugal.
— Bom, pelo menos fiz eco e critiquei o modo como o Governo e o Banco de Portugal trataram o caso do BES manifestando uma enorme vontade de fugir às responsabilidades...

— Claro, pá, Amerdeiral. O que este Governo da Direita Decadente deveria ter feito, no Verão quente do banco do meu amigalhaço Salgalhado, era ter tido uma política firme para evitar a falência do BES.
— Foda-se, Santa Puta, claro que sim! Era só pegar no dinheiro da troika e emprestá-lo ao BES.

— Depois, Amerdeiral, com essa recapitalização que faria com que o Estado ficasse com a maioria do capital e, também, com a maioria das responsabilidades financeiras do velho banco, mas sem a segurança de ter as contas auditadas, sem conhecer a dimensão do buraco, sempre poderíamos acusar a Direita de ter feito precisamente aquilo que achávamos que seria necessário que tivesse feito.
— Ahahahaahah, Santa Puta!
— Eheheheheeheh, Amerdeiral... Este Porto custou-me uma fortuna...
— É muito bom, é...


— E ainda mais delicioso que isso, Professor Amerdeiral, também poderíamos acusar a Direita de ter salvo os accionistas, Pinto da Costa, gente de bem e de Cascais.
— Mas teríamos repetido outro BPN, desta vez gigantesco e brutal, capaz de arredar a Direita do poder por décadas.
— A minha especialidade, como sabe, é foder os contribuintes em diferido. E esses, com a nossa sugestão entretanto não seguido, não se salvariam é os contribuintes.

— Santa Puta, SóCrash, o País está imensamente reconhecido por tê-lo fodido. Sempre podemos ver a Direita em apuros para resolver as nossas armadilhas de dívida dispostas metodicamente por cada legislatura...
— Nada mais precioso que dizermos ao País que vamos pagar muito mais pela falência do BES do que pelo BPN, o que é verdade porque o BES é 100 vezes maior.

— Mas, Santa Puta, o BES não foi nacionalizado, ao contrário do BPN.
— Não importa, Amerdeiral. Se o repetirmos mil vezes vai parecer que a Direita Decadente o nacionalizou...
— É verdade,,, E sempre poderemos dizer que o BES e a PT são um problema criado pela Direita...
— Professor, sempre poderemos dizer que o Orçamento de Estado de 2015 é uma merda...
— ... E que o Governo não sabe como fazer a reforma do Estado... que nós obstaculizamos ao máximo que se reforme...

— Sabes, Amerdeiral, nós no Rato estamos sempre num plano superior de quem sabe muito bem como essa reforma devia ser feita.
— Eu também me esforço, Santa Puta, por fazer de conta que sei como se reforma o Estado... 
— Somos patéticos....
— Somos disparatados e pomposos...
— Somos parolos, Amerdeiral!

— E vivemos num País em que os maiores incompetentes, ladrões e aproveitadores do Estado passeiam a sua enorme falta de vergonha pelas TV, Santa Puta...
— Sempre entendi as TV como nossas. E só dignas de privilegiar figuras venerandas e dignas de reverência, como Don Mariolone, o meu amigo Júdice, o meu amigo Proença, Vossa Reverendíssima e Professoral Eminência Freitas do Amerdeiral...

— Sabes, Santa Puta, às vezes tenho pesadelos. Sinto-me responsável pelo estado a que o país chegou. Acordo com suores frios. Tremem-me as mãos.
— Não, nunca senti isso, Amerdeiral... Tens de ir ao médico, pá...
— A única coisa que me consola é ir a um forum de Esquerda e falar como se sempre tivesse sido de Extrema-Esquerda, falar como áugur insusceptível de contestação ou contraditório, dar, enfim, largas, ao cabrão Fidel norte-coreano que há em mim... Laurear a pevide... Odiar profundamente esta juventude liberal, colocar-lhe grosa...

— Fazes muito bem, Amerdeiral. Isto sem ti nunca seria a mesma coisa. A minha geração enriqueceu mais que a vossa... Compreendo o seu ódio por não conseguir deitar a mão a um quarto do que nós, em tão poucos anos, deitamos...
— Isso deixa-me possesso, Santa Puta...
— Vocês múmias, antigos políticos com mais de 70 anos, roubastes pouco. Por isso andais muito amargos...
— Sim, dá raiva pensar num jovem da tua geração, Santa Puta, mesmo num Mesquita Escachado... Esta gente teve-os no sítio e mudou a própria vida com uma falta de pudor proverbial...

— Para os nossos interesses é fantástico que a vossa velhice inconseguida venha declarar que o Fim do Mundo está perto. O Apocalipse roça as nossas oras, daí as aulas magnas e aquela indignação parola que tanto nos convém no combate político...
— Somos iluminados, Santa Puta!
— Somos príncipes, Amerdeiral!

E foi assim que estes dois caramelos disseram estas e outras merdas, beberam o seu Porto, entre a fragrância das rosas encarnadas da Bramcamp, conspirando contra Portugal e contra os contribuintes, como de costume e, no fim, puseram-se no caralho para descanso dos santos ouvidos dos anjos.

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