O ENSINO DO GARROTE
Naquele dia, o professor levou-se diverso para a Escola.
Transportou-se para lá à superfície como em cada um dos outros quinze dias,
o escasso tempo que lhe coube ser sinceramente feliz ensinando,
até lhe mandarem dizer, a partir do Executivo, dentro do mecanismo
corajoso do rumor e do talvez, que teria só mais oito dias, se tanto,
para continuar a ensinar ali e a ali ter ousado sonhar
que teria o pão-dele sossegado por mais mais algum tempo digno.
lkj
Mas levou consigo, além de si, dos seus livros e dos seus materiais,
uma corda resistente. Subiu discretamente à cobertura
entre o Pavilhão A e o Pavilhão C, que forma como que uma ponte à prova de chuva.
Era intervalo, e os alunos juntavam-se para ver dançar,
uivando, aplaudinho e ululando, um par de moços,
escondidos dentro da concha formada pela multidão,
com o cu duro sem K, os moços e a multidão,
ao som dos Buraca Som Sistema, em altos decibéis.
Da sala de professores, na parte superior, muitas professoras, embevecidas,
debruçavam-se para lubricamente das janelas verem melhor o show.
lkj
No topo da cobertura, o professor envolveu, metendo uma ponta de corda em abraço,
a viga transversal, por baixo da cobertura de fibrocimento ondulada em V e em A,
uma viga de concreto resistente, encaixada noutra vertical.
como uma letra grega, o Gama Maiúsculo Γ,
ou uma cruz partida num dos braços. Deu um forte nó.
Amarrou a outra extremidade ao pescoço, bem firme e decidido, e,
sem que ninguém reparasse no transe, preparou-se para saltar
pela certa, sem errar no tamanho da corda
ou ignorar a necessidade do esticão brutal
do seu corpo no fim dela.
lkj
E saltou. Saltou com muito amor pela vida, pelo País,
com muito amor pela mulher, pelos filhos pequenos, pelos pais, pelos irmãos,
mas cansado de ser tratado como a merda que os outros desprezam,
sobretudo os tecnocratas do Estado e os ressabiados com a alheia felicidade.
lkj
Era necessário fazer um discurso veemente e definitivo com a vida e com o corpo,
como o discurso enigmático dos polícias igualmente suicidários, e gravar, assim,
ainda que com a covardia cansada e abissal de um suicídio docente,
uma mensagem indelével para a Opacidade Medíocre e Desumana,
pedra a pedra erigida, em Portugal, por estes dias
e logo com ares pseudo-reformísticos:
«Pelo amor de Deus, evitem ler o Implume!»
Comments
Gostei do teu texto e do toque de humor final, andas a ler o Tiago?
Pequena historia :
Um dia um rapazinho sonhou ser alguém, libertar-se das amarras que o prendiam.
Sonhou ser mais que um pequeno ponto na multidão, quis ser alguém.
Feliz, pegou num papel e numa esferográfica e deu asas à sua imaginação.
Alguém o leu, delirou, outros o leram, entrou em euforia.
Sim, finalmente achou que era alguém, pelo menos era conhecido por uma pessoa.
Criou amigos, amigos que lhe deram a mão, que o recolheram no circulo do polvo, era feliz.
Ilusão, tudo era ilusão...
Os amigos falavam numa língua estranha, indiferentes escreveram as suas ideias em cima dos pequenos textos do rapaz.
Outros que por ali andavam, que desejavam que o rapaz cai-se, mas eram demasiado "educados" para o dizer, riram-se e deliraram ao ver a obra do rapaz destruída.
Ele chorou, realmente chorou de tristeza e de raiva...
Reparou que afinal não era nada e para a sua insignificância regressou, escondendo-se como um ponto no meio da multidão.
... fim ...
Implume? Não conheço ...
O rapaz do Tiago está demasiado autobiográfico!
Quanto ao texto, é uma triste realidade. Pena é que só assim, alguns possam ser ouvido.s
autobiografia
s. f.,
vida de um indivíduo escrita por ele mesmo.
presunção
do Lat. praesumptione
s. f.,
acto ou efeito de presumir;
conjectura;
suspeita;
suposição;
vaidade;
afectação;
errada
s. f.,
Brasil,
erro;
engano.
E reafirmo o que escrevi.
Queiras ou não.
(desculpa lá Joshua pelo dialogo, deveria comentar o texto e não divagar, um abraço.)