Amor: Ordem de Despejo

Quando escrevem sobre ti, Amor,
todos são mentirosos.
Ninguém sabe o que és, quem és,
ou, pior, sequer se existes.
Dizem que te viram em Veneza,

que foi fácil encontrar-te
em Paris,
que estás à mão na Ribeira do Porto, à beira rio, ou em qualquer jardim...

Dizem que te sentem, que te querem, que te isto e que te aquilo,
e que vens a eles, se te chamam,
mas têm todos é vontade de se comover muito e largar cloreto de sódio
pelo canto do olho,
para parecerem sensíveis e bonitos com os olhos brilhando muito à luz fosca da aldrabice, palavras de gelatina.

Dizem que te têm na mão, basta astrologizar um pouco.
A lua aqui. Marte ali. Ali Vénus, Júpiter mais além...
É que no fundo não acreditam em ti, Amor,
têm todos é necessidade de se enganarem
para amansarem a pavorosa fera por dentro.

Porque tu não és Amor nem és nada se não me disseres aqui e agora que existes mesmo.

Não respondes? Estás aí? Ó Amor, meu filho da puta, responde.
Por que te calas? Por que tens de ser assim tão subtil e diáfano
como uma aparição transcendente, mas só para alguns? Não existes, cabrão,
mas finges muito bem e eu odeio fingimentos, abomino pantominices. Mostra-te lá, boi!

É por tua causa, dizem, que há muitos acidentes nas estradas
porque os que bebem de mais e querem prazer, bebés sôfregos à procura da teta farta

colada à ponta do nariz,
é a ti que procuram, procurando-te entre as pernas de alguém que, dando-lhes o miolo delas,
não se deram de todo e, não se tendo dado, te negaram e atraiçoaram, Amor.

Tu é que és um acidente, não podes ser levado a sério, não se pode acreditar em ti.

Dizem que por trás de qualquer crime há afinal quem te queira autopsiar no corpo de alguém ainda vivo e encontrar-te por dentro

como se encontra um fígado ou um rim em condições
de se comer. Não há um bisturi que te corte para que te nos mostres nu e sangrando? Só assim acreditaremos que existes, animal invisível.

Tens a puta da mania de ser difícil e até parece que ter-te há-de ser mais complicado que o Garcia escalar o Evereste, perdidos os dedos e o nariz de alguma vez afinal uma pessoa se pensar inteiro, coisa ilusória!

Por que tens de ser assim tão meloso, tão meigo e tão doce, tão emocionado e todavia
não existires, assim como, dizem também, Deus não existe, insistindo-se tanto na Sua não existência como se do tanto negar não resultasse a afirmação do que se nega?

Não gosto de emoções gelatinosas, perfeitas, amorosas de mais que os que não te conhecem usam para falar de ti e que depois representam no palco perfeitamente decente e luminoso da palavra, mentindo, e tu, que nem sequer és gente
para ser visto e existir, que dizem não passares de hormonas e enzimas à solta no organismo,

já serviste de explicação para as coisas boas na vida dos homens por tempo suficiente.

Põe-te a milhas que já não serves nem enganas e não adianta mudares de nome! Já te conheço.


Joaquim Santos

Comments

Titá said…
Só consigo escrever uma palavra : Genial!!
Night said…
Muito muito bom o texto, dificil falar sobre o que todos buscamos algures. Amor... sentimento esse que nos leva de uma felicidade pura a um ódio pleno num piscar de olhos.

Um abraço
Sérgio Costa
Mara said…
Espectacular!!
Anonymous said…
Keep up the good work. thnx!
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