PADRE MIURA I

Tu devias ter endereço electrónico
porque assim lerias logo o que te tenho a dizer,
de que talvez nunca saberás.

(Ou pelo contrário, uma vez que os teus assistentes são tão bem informados, tão refinados murmuradores e fazedores de opinião, que logo se acercarão de ti nessa velha amizade de távola redonda ou convenção mafiosa, de gente iluminada nas estratégias e tácticas, psicologias e à-vontadinhas sobre ti, para te dizer: «Ele voltou a escrever!» «O quê?!» - respondes. Calas. Um mutismo negro ensombra a tua face. «Tendes um exemplar do seu 'pasquim'?» - perguntarás. Dir-te-ão que o seu 'pasquim' é o planeta inteiro, de Ateães a Miami, do Cruzeiro à Krasnoiarsk siberiana! Em todo o lado se poderá ler e compreender como e porquê um homem sofre; quem e porquê o faz sofrer!)

Mas, enfim, fora este sonho de abrangência planetária,
nada a fazer quando não se acredita em tecnologias
e se considera pernicioso o telemóvel, a 'interneta' e o multibanco.
Como é que ainda escreves com uma dessas veneráveis máquinas-de-escrever antigas, sonoras, tilintantes, pesadas? São tão armas de arremesso!

O ruído martelado, violento, de quando primes essas teclas tenho-o bem gravado no meu espírito por não ser só ruído, mas todo um mundo de associações, sobretudo más
porque te vi a expulsar de Casa toda a sorte de gente, de toda a forma,
e a redigir ofícios de dualidade de critérios,
de antipatia,
de uma exigência impaciente de requisitos
servidos com vozes de escárnio e vingança, a tua impune oportunidade de retaliação aos que não andam alinhados com o século XIX em que vives.

Casas, baptizas e enterras. Depois tens a marreta musculada dos teus critérios de aço, à prova da pessoa concreta, com rosto, que te apareça, para além da sua experiência humana, da sua história pessoal, do seu capital de riquezas interiores: levas mais em suprema conta os seus títulos universitários que doutoramentos em mãos calejadas e sobrevivência... cum laude.

Não vês que um homem,
enquanto cá está, acumula em primeiro lugar a maravilha de ser pessoa?
Por que é que só vês o currículo e já não vês a pessoa com um copo vazio na mão?
Atrapalha-te a epifania de um homem livre?
Não lhe darás a Água de Cristo e um sorriso acolhedor?
A porta estreita para ti terá de ser uma toca do rato
de onde raro saímos para arriscar o pecado,
o erro, a dor?

Acreditas tanto no último recurso da força
que passaste a anunciar o Evangelho da patada e da sapatada!
Ai os teus sonhos de luta corpo a corpo, não como Jacob com o Anjo,
mas com quem não gostas, com quem desalinha da tua ética elíptica
Neolítica ou do Cretáceo Superior!

Será que tens consciência da brutalidade com que revestiste a tua acção?
Ainda não reparaste na repelência que geras quando agrides,
quando abusas da tua posição e do conceito «autoridade»?
Não vês que andas a enfastiar os cordeiros do Senhor
com o cajado da tua intolerância, com esse vício fariseu segregador?

Tornaste-te no anti-Pai da parábola do Filho Pródigo, e tão ao contrário dele te tornaste,
que desdenhas e escarneces ainda mais de quem não conheces,
e expões ainda mais impudentemente, como quem aponta,
o que julgas defeitos ou erros de quem te lembras de assombrar
e em pleno sermão.

E vais-te a eles como quem não resiste à muleta rubra e ensanguentada!

Padre, quem foi que fez de ti um homem tão difícil, de feitio tão endurecido?
Quem te moldou essa porta abrutalhada que costumamos chamar "coração"
mas que em ti é como a alimária pontiaguda à solta na arena espanhola?
Por que há pessoas que te fazem espumar de fúria
e descablelar-te de indignação?

Nos teus sermões caóticos,
vociferados,
autobiográficos,
sem exegese, sem fogo de paixão agregadora,
respeitadora da liberdade de cada qual,
pensas obter o quê, acusando e desconfortando as pobres pessoas,
sempre em condições de enfiar barretes por não terem alternativas
perante o que insinuas delas?

Olha, cortei contigo. Retirei-te o poder de me desgostares por isso e pela colecção
de cromos do teu Mundial de Desprezol.
Falares em público e dizeres certas leviandades
tornou-se enevoares-me Cristo, neblinando-O de mim,
porque semeias rancor e pensamentos daninhos, impuros,
incompatíveis com o amor e a fé viva.

Já não posso estar disponível para ouvir-te
e tentar compreender-te nesse insano tratamento das pessoas como até aqui
por ser o teu discurso toda uma convocação de demónios à solta na agressão:
Falares é fazeres da divindade uma instância cobradora de impostos e, pior,
é estares sempre a pontapear o Zaqueu sofredor em cada um de nós e no cãozinho que um dia veio à missa.

Tu és dois e tens duas paróquias numa.
De sorriso babado, quando estás na sumptuosa capela
e de cenho carregado,
apressado,
rural,
sinusítico,
escarrante, quando na betesgal Igreja:
a tua autoridade é um martelo pagão,
mas não inócuo como o de S. João.
Esta tua dupla personalidade crucifica-nos.
Por isso padecemos.

Os filhos da igreja, os fregueses,
já são só os teus amigos ou os que te lisonjeiam,
já são só aqueles que mimoseias babadamente
e mesmo esses sentem-se é coagidos pela baba,
já são só os cavalos em que apostas
mesmo que te escoucinhem e defraudem
nas tuas ilusões elitistas e elitizantes,
brandidas para esmagares com oco
quem tu visas esmagar,
sobre quem visas triunfar.

Se te derem um pretexto, serás ainda mais brutal conforme afinal desejas.
Ouviste supinamente os moços dizer: «Não vás à missa. Manda foder o padre.»

Passaste-te.

Agora a tua ira queima domingo a domingo o juízo à juventude da igreja betesgal
num desejo insano de destruição, dissolução, desistência,
como se essa frase natural, cheia de personalidade e pecado
resumisse a zona e a gente
que apodas pejorativamente de «Jerusalém».
Perdoa e compreende.
Nem imaginas quantos ainda e pior o repetem
e não ouviste nem sabes na tua sorridente «Galileia».

A tua paróquia tem dois padres dentro ti.
Por isso precisamos de um terceiro que tome conta de nós,
desta vez com amor, sem violência, sem desmandos psicóticos, nevróticos,
de uma insustentável e injusta tensão sobre o povo.

(Será possível, Senhor Bispo, que possamos ser tratados melhor um dia?
Um dia que não tarde?)

Costumas dizer que: «Homem cortês, o diabo o fez».
Mas depois de ti só vale o oposto: «Homem descortês, o diabo o fez.»

E olha que dolorosamente requintado,
nossa coroa de espinhos,
nosso Padre Miura!

Comments

Vitor Monteiro said…
infelizmente esta é a ralidade vivida já há muitos anos sem que ninguem consiga alterá-la...mas ano após ano as consequências vão-se mostrando e chegará o dia em que esse "senhor" que se diz seguidor e disciplo de DEUS estará só e nas mãsod e DEUS...aí, será julgado e a justiçã será reposta....até lá resta-nos ignorar e deixar sonhar os parvos que para além de o acompanhar o alimenta com esperanças falsas...esse tambem serão julgados...
Belo texto Quim...Parabens!!!

Aquele Abraço
Anonymous said…
É uma pena que a igreja católica, já tão desgastada, feche os olhos e nada faça para mudar situações como esta.
Que desabafo tão triste, tão sentido.. perdoe o padre, ele é só mais um ser humano, e como tal, falível.
Mantenha viva a sua Fé em Jesus Cristo, isso é o que importa!

beijinhos, espero, desta vez, que sem polêmicas.
joshua said…
Preferiria que este post não fosse tão extenso, porque prefiro, ao escrever, fulgurar o pensamento e a sugestão, fazê-los imediatos. Obviamente que, como o tema não me é pacífico e os sentimentos antigos, a digestão é por isso mesmo longa.

Mas há uma espera, um desejo, uma expectativa subjecentes que um dia serão satisfeitas.

Há comportamentos que anomalizam a nossa vontade de ser felizes, que nos deixam reféns das humilhações.

Romper com isso é continuar a acreditar.
Anonymous said…
Here are some links that I believe will be interested
Anonymous said…
Fica-se sem palavras... mas... ainda há padres assim?

Deus nos acuda!

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